Contexto

Arthur Lira, bastidores em ebulição e a estrutura do governo

A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (31/05/2023) a Medida Provisória 1154/23, que prevê a estrutura de ministérios do governo Lula. Embora o placar, que foi de 337 votos a favor e 125 contra, sugira folga, os bastidores envolvendo essa aprovação ficaram muito longe disso e explicam bem o momento de ebulição da política brasileira.

O grande personagem dessa votação, sem dúvida, foi o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ao longo de todo o dia, os jornalistas de bastidores de Brasília apontavam que Lira usou toda sua influência junto ao Centrão (bloco de partidos que não tem ideologia política clara e troca apoio nas pautas governistas em defesa dos próprios interesses) pra pressionar o governo.

Se a MP não fosse aprovada até a meia-noite, a configuração atual do governo seria desfeita, retornando ao modelo mnisterial do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o que poderia colapsar a gestão. Quando tudo parecia caminhar para uma derrota histórica, uma reviravolta.T

Temendo ver a medida provisória caducar sem votação, o presidente Luís Inácio Lula da Silva interveio e passou a cuidar pessoalmente da articulação política com o Congresso, deixando de lado ministros da Casa Civil, Rui Costa e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Ambos têm sido muito criticados até por aliados do governo por inabilidade na articulação.

Outra situação também ajudou: o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu suspender a tramitação de uma ação penal na qual Lira acusa o senador Renan Calheiros (MDB-AL) de crimes contra a honra. Pra completar, o também ministro Dias Tóffoli, do STF, devolveu para o plenário da Corte um processo para o qual pediu vistas onde Lira é acusado de corrupção passiva. Se condenado, ele perderia o mandato.

Pra completar o revés de Lira, a Polícia Federal (PF) deflagrou, na manhã desta quinta-feira (01/06/2023), a Operação Hefesto para desarticular uma organização criminosa suspeita de praticar crimes de fraude em licitação e lavagem de dinheiro em Alagoas. Dentre os alvos da ação estão alguns aliados públicos e próximos do presidente da Câmara.

De acordo com a PF, os crimes teriam ocorrido entre 2019 e 2022, durante a realização de processos licitatórios, adesões a atas de registro de preços e celebrações contratuais relacionadas ao fornecimento de equipamentos de robótica para 43 municípios alagoanos. Os recursos seriam oriundos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). As fraudes e o superfaturamento geraram prejuízo ao erário de R$ 8,1 milhões, além de sobrepreço, com danos potenciais de R$ 19,8 milhões.

O que foi aprovado?

Os deputados federais aprovaram o projeto de lei de conversão feito pelo deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), relator na comissão mista que analisou a MP. O relatório trouxe mudanças nas funções de alguns ministérios, alterando a proposta original apresentada pelo governo federal.

Em mais de duas horas, os parlamentares se posicionaram a favor e contra a MP. Os favoráveis argumentaram que o atual governo tem direito a organizar a estrutura pública da forma que desejar. Os contrários manifestaram que a reestruturação representa o inchaço da Esplanada dos Ministérios, por prever a criação de 37 pastas.

Como fica MP dos Ministérios

O parecer do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) alterou diversas competências das pastas, sendo os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e dos Povos Indígenas (MPI) os mais afetados.

Entre as mudanças no Ministério do Meio Ambiente, foi retirada da pasta a Agência Nacional de Águas (ANA), passando a supervisão do órgão ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Já o Cadastro Ambiental Rural (CAR), um cadastro eletrônico obrigatório a todas as propriedades e posses rurais, é transferido para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

O MMA também perdeu o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir) e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh). Os três sistemas serão de responsabilidade do Ministério das Cidades.

O Ministério dos Povos Indígenas deixará de cuidar da homologação de terras de povos originários, devolvida à pasta da Justiça e Segurança Pública.

Além disso, houve a redistribuição de atribuições da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) – que passou a ser vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) – para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), ao qual a companhia pertencia antes.

Pelo texto aprovado, o Mapa ficará responsável pela garantia de preços mínimos, à exceção dos produtos da sociobiodiversidade, e as ações sobre comercialização, abastecimento e armazenagem de produtos, bem como o tratamento das informações relativas aos sistemas agrícolas e pecuários.

Análise

Como foi dito na análise de ontem do Vocativo, o jogo político brasileiro está claramente desequilibrado, com o Congresso, mais especificamente Arthur Lira, exercendo uma capacidade de poder capaz de emparedar o executivo. E também está muito claro que os outros poderes se movimentaram pra se contrapor a isso. Isso não é bom.

Esse tipo de jogo de trocação foge do republicanismo e costuma ter consequências graves para a democracia no longo prazo. A sociedade precisa encampar um debate pra que essas relações institucionais, seja na Condução do Congresso, seja na ação do STF e da polícia federal.

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