Amazônia

Ao completar 352 anos, Manaus precisa encontrar o seu caminho

Ainda carregando cicatrizes e marcas da maior tragédia da sua história, Manaus completa 352 anos neste domingo (24/10/21) tentando se reerguer. Com alguns dos piores indicadores sociais do país e no centro do maior – e mais atacado – bioma do planeta, a capital do Amazonas precisa, enfim, achar a sua identidade. E o caminho para isso existe: renovação política e economia sustentável.

Um breve histórico

A região onde está Manaus abrigava originalmente uma aldeia dos índios manaós. Em 1669, os portugueses construíram ali a Fortaleza de São José do Rio Negro, com o objetivo de impedir a entrada dos espanhóis que vinham dos Andes. A área era estratégica, por se localizar na confluência dos rios Amazonas, Negro, Madeira e Purus. Por volta de 1750, o pequeno povoado foi denominado Barra do Rio Negro. Nessa época, seus habitantes produziam algodão, cacau, castanha-do-pará, fumo e café. Em 1883, o local foi elevado à categoria de vila e recebeu o nome Manaus, em referência aos manaós.

Com 2 milhões e 200 mil habitantes, Manaus é a maior cidade da região Norte e sétima mais populosa do Brasil. No século 19, se destacou como maior produtor mundial da borracha. Nesse período, com a vinda dos comerciantes ingleses, alcançou um desenvolvimento nunca visto à época no Brasil, sendo a primeira cidade a contar com luz elétrica, bonde, porto flutuante e o primeiro banco privado.

No entanto, mesmo com esse apogeu, Manaus nunca conseguiu desenvolver todo seu potencial. No início do século XX, a supremacia da borracha brasileira sofreu com a concorrência promovida pelo látex explorado no continente asiático, especialmente na Malásia. Com isso, a economia de Manaus, antes próspera e rica, se viu em franca decadência.

Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as indústrias passaram a adotar borracha sintética, poderia ser produzida em ritmo mais acelerado, o que praticamente acabou com a indústria da exploração da seringa na Floresta Amazônica, fato que impactou a região por décadas.

Uma das últimas tentativas de reconstruir a economia local foi a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM), área isenta de impostos sobre a produção e o comércio que foi criada em 1967 no período da ditadura militar. No entanto, os problemas sociais da região se mantiveram e foram decisivos na maior crise de saúde pública em cem anos.

Os problemas

Com a pandemia da Covid-19 e contando com um sistema de saúde precário, Manaus passou duas ondas catastróficas da doença, o que culminou em uma das maiores tragédias recentes da humanidade, com a crise do oxigênio em janeiro de 2021.

Além disso, o cenário econômico desolador promovido pel governo Bolsonaro e seus constantes ataques contra a Zona Franca de Manaus – um dos pilares de sustentação da nossa economia – aumentou as nossas desigualdade. Isso sem contar a escalada sem precedentes de destruição ambiental na região Amazônica que já começa a afetar o clima e a vida do cidadão.

Atualmente, 47,4% da população do Amazonas – tendo a capital como principal puxador – tem rendimento domiciliar per capita de menos de US$ 5,5 PPC. Assim, quase metade da população do estado se encontra na linha internacional da extrema pobreza desde 2019.

Cerca de 2 milhões e 765 mil (ou 71%) dos moradores do Amazonas possuem algum grau de Insegurança Alimentar (deficiência na alimentação). O número esquivale a mais do que toda população da capita. Destes, 37% estavam em Insegurança Alimentar moderada (819 mil) e Insegurança Alimentar grave (622 mil), ou seja, convivem com a fome. Segundo o IBGE, em Manaus, 39,2% das pessoas tinham restrição a serviços de saneamento básico; 22,3%, a condições de moradia; 9,8%, à internet e14,9%, à educação.

A segurança pública é um capítulo à parte. A taxa de homicídios de crianças e adolescentes entre 10 a 19 anos cresceu 66,4% no Amazonas entre 2009 e 2019. Todas as Unidades da Federação brasileira apresentaram queda da taxa de homicídios entre 2018 e 2019. A única exceção foi o Amazonas que apresentou aumento de 1,6%. É o que mostram os dados da edição 2021 do Atlas da Violência, feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).

Reflexão para o futuro

Hoje, para muitos, é dia de festa e comemoração. Mas como é papel do jornalismo é ser a voz da consciência de uma sociedade e tão poucos veículos locais parecem compreender esse papel, cabe ao Vocativo fazê-lo. Com tudo que aconteceu, o sentimento da população pode ser definido em uma palavra: cansaço. No entanto, o futuro da nossa cidade está seriamente ameaçado.

A destruição da Amazônia já causa sérios problemas nas nossas vidas. Se a destruição ambiental não for impedida, a região ficará inabitável até 2100, com aumento de até 6 graus no mesmo período. A maior cheia já registrada na nossa história é fruto dessas mudanças. E outras virão se nada for feito.

A solução para isso tudo é uma só: renovação política e economia sustentável. Para salvar Manaus (e as outras cidades da Amazônia) e acabar definitivamente com essas mazelas sociais, será preciso preservar a floresta e trabalhar titanicamente pela erradicação da pobreza. E isso passa por desenvolver a nossa economia utilizando de maneira sustentável as potencialidades da Amazônia. E, lamento, com a classe política que temos atualmente, isso não vai acontecer.

Estamos todos cansados. Ainda estamos feridos, fechando nossas cicatrizes dessa pandemia, que nem sequer acabou e nem sabemos se não tornará a piorar. Mas o nosso futuro está seriamente ameaçado. A Covid-19 não foi a primeira e definitivamente não será a última ameaça que os habitantes de Manaus vão enfrentar. Que desse período de trevas surja uma luz. A luz para o futuro de Manaus.

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