O roteiro das manifestações golpistas do 07 de setembro de 2021 acabou seguindo o de todas outras ocorridas durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido): pedidos de ruptura institucional, delírios coletivos contra adversários imaginários e ameaças contra as instituições. E com relação ao tamanho, embora numerosas, ficaram abaixo do que os organizadores esperavam.
Ao contrário do que muitos analistas temiam, não houve confrontos, cenas de depredação ou violência, invasão ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou atentados contra ministros. Apesar de confusões pontuais entre manifestantes e a Polícia Militar em alguns locais isolados, como Brasília, o saldo acabou sendo de bastante tranquilidade.
Mesmo o aguardado discurso de Bolsonaro na Avenida Paulista não teve novidades. Nele, Bolsonaro afirmou que não vai mais cumprir as decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e disse que não sairá da presidência. Muito grave, é claro, mas infelizmente não há nenhuma informação nova aí. Então, qual o saldo desse dia? Vamos analisar alguns pontos.
O que tirar disso?
É cedo pra saber quais consequências esse discurso vai trazer ao cenário político do país. Levando em conta os caciques políticos que temos hoje, é de se esperar os eventuais discursos de moderação – que chamamos no popular de “passada de pano”. Mas tem um porém aqui.
Se por um lado Bolsonaro não mostrou nem poder nem discurso diferente do que tem, por outro lado ficou impossível ignorar suas ameaças e as suas reais intenções. Diante disso podemos concluir que:
Primeiro: está mais do que comprovado que Bolsonaro não tem condições de dar e sustentar um golpe de estado. Se com toda essa mobilização, todo o dinheiro gasto, todo uso da máquina pública e toda a incitação da sua base evangélica resultou em apenas dois grandes comícios, é sinal de que a única coisa que pode fazer é ameaçar.
Segundo: por outro lado, ele não vai recuar. Quem espera ser capaz de moderar seu discurso, está sonhando de olhos abertos. Bolsonaro seguirá ameaçando instituições e incitando seus apoiadores enquanto estiver na presidência. Ele nem pode recuar. Se o fizer, perderá o único grupo de apoio que tem e aí será esmagado pela justiça.
Terceiro: ele desistiu das eleições. Ao dizer que “só Deus o tira da presidência” está claro que ele não sairá do poder por vontade própria. E com reprovação cada vez maior e as intenções de voto do ex-presidente Lula aumentando, disputar as eleições e perder será – na visão dele – um gesto de fraqueza. Isso explica porque não articula com aliados no Congresso.
Quarto: ele morre de medo de ser preso ou ter seus filhos presos. Ao perder qualquer pudor com relação ao seu discurso golpista, reafirmando seguidamente que não vai ser preso, quando não há qualquer indicação que isso esteja sendo tramado, fica claro que essas declarações são mais medo do que convicção. Principalmente sabendo que não pode sustentar uma ruptura institucional.
Ganhando tempo
Se não tem condições de dar um golpe, não vai moderar o discurso, desistiu das eleições e tem medo de ser preso, o que resta a Bolsonaro? Ganhar tempo. Porque há problema sério pra ele nos próximos meses. Em dado momento, não haverá saída. Ou ele dá e sustenta um golpe de estado que garanta a ele neutralizar opositores e justiça ou responderá por seus crimes. Não há meio termo.
Só que nisso, ele criou um sério problema para a classe política do país. Ao assumir diante do mundo inteiro que não vai respeitar o resultado das eleições em 2022, ele abre um precedente perigoso para todos eles. Afinal, se a eleição melar ano que vem e for decidida nos tribunais ou virar um enorme tumulto, serão os próprios políticos quem sofrerão as perdas, especialmente no bolso.
Se antes a ideia do Congresso, em especial o Centrão, era ir levando o país aos trancos e barrancos, beliscando verbas e esperando as eleições, o cenário não parece mais garantido com um presidente que agora não apenas não quer mais disputá-las, como fará de tudo para melar o jogo. E tudo isso no momento em que sua popularidade despenca tão rápido quanto a economia.
Sem eleições, não há governabilidade, não há verbas, não há salários, não há orçamento, não há como manter o país funcionando. E aposto que, neste momento, os grandes caciques políticos do país estão ponderando exatamente sobre isso. E isso pode ter consequências. Talvez falte apenas a convicção de que afastá-lo não vai gerar problemas com os militares. O que pode ser perfeitamente acordado.
Posso estar sendo muito otimista, mas não seria surpresa alguma se as manifestações de hoje sejam o famoso tiro que saiu pela culatra. Talvez Bolsonaro venha a se arrepender e chorar amargamente por causa desse 07 de setembro.