Quem esperava um tom contido na primeira sessão do Tribunal Superior Eleitoral em 2022 se surpreendeu. O presidente da corte, Luís Roberto Barroso, abriu o primeiro semestre de 2022 nesta terça-feira (01/02/22) com um discurso duro contra o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). A postura do magistrado parece mostrar que os ministros do Supremo Tribunal Federal finalmente perceberam o óbvio: a eleição do próximo mês de outubro será literalmente uma guerra e que não adianta ser sutil.
Barroso acusou categoricamente o presidente Bolsonaro de vazar informações sigilosas sobre o processo eleitoral brasileiro. “Informações sigilosas fornecidas pela Polícia Federal foram vazadas pelo presidente nas redes sociais, divulgando dados que auxiliam milícias digitais e hackers de todo o mundo que queiram invadir nosso equipamentos. O presidente vazou a estrutura interna da TI – tecnologia da informação – do TSE”, afirmou. Mas o que está por trás disso?
Relembrando o caso
O inquérito sobre o vazamento de informações sobre o sistema eleitoral voltou à tona na última quarta-feira (04/08/21), quando o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou que Bolsonaro prestasse depoimento presencialmente à PF no inquérito que apura essa questão. O presidente, por sua vez, não compareceu e não deu data para depor.
No dia 4 de agosto do ano passado, Bolsonaro divulgou em uma transmissão nas redes sociais a íntegra de um inquérito da Polícia Federal que apura suposto ataque ao sistema interno do TSE em 2018 no qual não ficou constatado qualquer risco às eleições. Por conta disso foi aberto um inquérito por determinação do ministro Alexandre de Moraes. Para a Polícia Federal, há indícios de crime na conduta do presidente.
A melhor defesa…
A postura de Barroso e Moraes mostra que pelo menos uma parte dos ministros da suprema corte do país já entendeu que as eleições de outubro serão uma guerra com consequências imprevisíveis. A derrota iminente de Bolsonaro para o ex-presidente Lula nas urnas está longe de encerrar a questão.
Tanto o atual chefe do executivo quanto seus apoiadores e opositores sabem que, uma vez sem a proteção do poder do Planalto e o aparelhamento de instituições como a Polícia Federal, os processos judiciais e a cadeia por conta de tantos crimes de responsabilidade cometidos nesta pandemia são apenas uma questão de tempo. Então um novo mandato eletivo é uma questão de sobrevivência.
Resta uma variável nessa equação: os militares. Ou restava. Se em 2021 a postura dos fardados foi belicosa, inclusive com ameaças de chefes das forças armadas contra senadores, desde o fracasso do sonho de um golpe de estado bolsonarista no 07 de setembro passado, o clima mudou.
Em recente entrevista, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, tido como bolsonarista ferrenho, afirmou para a Folha de São Paulo que os militares bateriam continência para Lula ou qualquer outro que vencesse a eleição este ano. E isso provavelmente é verdade, já que um golpe de estado destruiria a economia brasileira, como já foi explicado aqui.
O recado dos militares para parece claro e válido tanto para o presidente quanto seus opositores: “Podemos até pensar igual e ter simpatia por Bolsonaro, mas não vamos embarcar em nenhuma loucura, então resolvam isso entre vocês”. Mas isso não deve tornar Bolsonaro e seus aliados menos perigosos. O risco de levantes entre as polícias militares e milícias armadas é real.
O ponto é que, politicamente falando, Bolsonaro nunca esteve tão fraco. Desde que o ex-presidente Lula recuperou os direitos políticos, a popularidade do ex-capitão vem em queda livre. Nem a retomada do Auxílio Emergencial e depois a criação do chamado Auxílio Brasil dão sinais de que vão recuperar seu prestígio. A deterioração econômica também parece irreversível. A hora de estabelecer limites para o atual presidente parece ser agora.
Isso explicaria a postura firme de Moraes e Barroso. Parece uma estratégia de defesa. De um lado, traçam mecanismo de checagem de fatos com com as empresas que administram as redes sociais. Na mesma sessão de hoje, o presidente do TSE afirmou que o tribunal renovou a parceria com agências de checagem e com as principais redes sociais em operação no Brasil, como Facebook, Instagram, Twitter, Google/YouTube, TikTok e WhatsApp.
Do outro, Barroso parece querer usar o mesmo mecanismo que Bolsonaro usa à exaustão desde que ascendeu no cenário político nacional: a narrativa. Ao acusar o presidente dos crimes de vazamento de dados e de sabotagem, Barroso elabora sua própria narrativa de que Bolsonaro tentará desacreditar as eleições. Assim, quando os ataques contra o pleito vierem, o discurso de fraude não terá o mesmo impacto.
Se isso se confirmar, será uma jogada inteligente. Resta saber se será o bastante. Até porque outras tecnologias e táticas deverão ser usadas pelos bolsonaristas para tumultuar o pleito deste ano. Para defender as eleições, será necessária máxima vigilância.