Amazônia

Amazonas será um dos maiores prejudicados com a privatização dos Correios

Aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 05 de agosto, o projeto que permite a privatização dos Correios (PL 591/2021) está prestes a iniciar sua tramitação Senado. Caso isso se concretize, estados de grande extensão territorial, como Pará e Amazonas, serão os mais prejudicados.
A proposta apresentada pelo governo Bolsonaro autoriza a União a vender a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), permitindo a exploração pela iniciativa privada de todos os serviços postais. O problema é que essas atividades nem sempre são atrativas para as empresas, justamente pelas diferenças regionais.

“A privatização dos Correios afetará todos os estados e municípios brasileiros, mas certamente de maneira desigual. Regiões onde as empresas privadas de logística e entrega se recusam a atuar, seja pelo volume das entregas (especialmente as pequenas cidades) ou pela infraestrutura de transporte (cidades ribeirinhas, por exemplo), serão as mais severamente atingidas, por contarem somente com o atendimento dos Correios para realizar uma série de serviços e se conectar ao restante do território brasileiro”, alerta Igor Venceslau, mestre e doutorando do programa de pós-graduação em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de uma rica dissertação de mestrado sobre os Correios.

Esse é duplamente o caso da Amazônia, onde poucas cidades, notadamente as metrópoles de Belém e Manaus, possuem outras empresas realizando esse serviço, mas com enormes defasagens, custo elevado e prazo de entrega pouco competitivo se comparado com os Correios.

“Uma consequência imediata para estados como Amazonas e Pará será a redução das áreas atendidas, com municípios e regiões inteiras podendo ficar sem o serviço postal, já que na maioria deles a atividade não é lucrativa. Hoje a totalidade dos municípios amazonenses e paraenses possuem agência de Correios por conta da obrigatoriedade constitucional de universalização do serviço postal, o que faz com que o correio seja um direito dos lugares, de todos eles. Com a privatização, esse direito seria perdido e a empresa privada não teria mais essa obrigação, mesmo o serviço postal sendo, no total do país, lucrativo”, avalia o geógrafo.

Vale lembrar que o texto até fixa condições para a desestatização da empresa, como a prestação dos serviços com abrangência nacional. Além disso, a nova empresa não poderia fechar agências “essenciais” à prestação do serviço em áreas remotas do país; e deverá manter serviços de caráter social realizados pela estatal. O problema é que não há garantia que esse trecho específico será mantido no Senado ou mesmo não será vetado pelo presidente. Ou simplesmente cumprido pelas empresas.

Muito mais que entregas

Para o usuário comum da grande cidade, os Correios podem parecer apenas uma empresa que entrega encomendas, mas vai muito além disso. E a sua entrega para o setor privado vai afetar todo o mercado, desde o preço das entregas até a segurança do conteúdo postado.

“As próprias compras pela Internet serão afetadas, e isso precisa ser dito. Para o consumidor de muitas cidades, não será mais possível a entrega domiciliar ou retirada na agência dos Correios como vem sendo feito, garantindo inclusive o princípio de inviolabilidade do serviço postal. Para os vendedores, micro e pequenos varejistas que comercializam pela Internet, também serão reduzidas as suas possibilidades de ação e estarão mais reféns das grandes empresas, os marketplaces nacionais e estrangeiros”, avalia Igor Venceslau.

Mas a questão ultrapassa a discussão do consumo. Isso porque os Correios, sendo um serviço realizado por uma estatal como é hoje, atua como um braço logístico do estado para políticas públicas no Brasil. Consequentemente, diversas políticas públicas federais que precisam ser realizadas em todos os municípios, e ao mesmo tempo, como distribuição de vacinas, entrega de livros didáticos, distribuição de urnas eletrônicas e a logística de avaliações como o ENEM, porque existe uma empresa federal presente em todos os municípios, a única instituição dessa natureza na maioria deles.

“Essas políticas públicas, e muitas já extintas como o Banco Postal e o Programa Fome Zero, somente são possíveis já há uma infraestrutura instalada nos lugares que permite a integração do território nacional. Portanto, não é somente sobre economia, é também sobre capacidade de ação do Estado, combate às desigualdades e direitos sociais. É sobre soberania e cidadania”, lamenta Venceslau.

Trabalhadores

Outra grande preocupação com a venda dos Correios diz respeito ao emprego dos funcionários. Pela proposta, por 18 meses após a privatização, os atuais empregados da empresa só poderão ser demitidos por justa causa. Os trabalhadores terão a oportunidade de aderir a plano de demissão voluntária em até 180 dias após a venda dessa empresa pública federal. O problema é justamente esse depois.

“A privatização vai gerar desemprego e precarização do serviço postal. Além disso, queremos saber, quem entregará as provas do Enem, as urnas eletrônicas e os livros didáticos? Essa decisão é mais um ataque também a nossa Constituição, que assegura o serviço postal como um direito”, protesta Jane Neves, vice presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios Telégrafos e Similares do Amazonas (SINTECT/AM). 

Tramitação

No Senado, tramita uma sugestão popular que pede que os Correios sejam retirados do programa de desestatização do governo federal. O presidente da casa, Rodrigo Pacheco (MDB-MG) afirmou que está negociando com os líderes partidários o encaminhamento do projeto. Ele classificou a matéria como “importante” e disse que vai decidir em conjunto com as lideranças se o projeto será debatido nas Comissões ou vai direto ao Plenário.

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