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AM: Mistura de mineração e fake news ameaça lideranças Mura

A pressão da Potássio do Brasil pela exploração mineral nas terras dos Mura, no interior do Amazonas, está ganhando contornos cada vez mais perigosos, colocando diversos membros da etnica em risco de morte. Uma corrente de desinformação, alimentada pela pressão de políticos e empresários locais está levando moradores a ameaçarem de morte membros da etnia.

Na última sexta-feira (28/04/2023), o Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) realizou uma entrevista coletiva com a participação de membros da comunidade para expor mais detalhes do caso. Na ocasião, os Mura descreveram uma rotina de medo e tensão. Diante do cenário, o órgão defende a demarcação da Terra Indígena para que só então possam ser retomadas as conversas sobre o empreendimento.

Relembrando

Em 2010, a mineradora Potássio do Brasil anunciou a descoberta de minério de potássio no seu projeto de pesquisa na bacia do rio Amazonas. O projeto está localizado próximo às cidades de Nova Olinda e Autazes e prevê, na incluindo a Terra Indígena Soares/ Urucurituba além das minas, a instalação de um porto, uma planta industrial, uma estrada, uma adutora e uma linha de transmissão de energia elétrica.

O grande problema é a empresa já atuava um ano antes, em 2009, realizando estudos e procedimentos na região de Autazes, autorizadas pelo então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), para a identificação de jazidas. O pior: elas ficavam dentro da terra indígena Jauary, e os procedimentos aconteciam sem consulta prévia às aldeias e comunidades.

Entre os anos de 2014 e 2015, o MPF começou a receber denúncias de que a empresa realizava uma série de atividades que violavam os direitos dos povos Mura, como perfuração de poços (um inclusive atingiu um cemitério indígena). O órgão tentou entendimento via diálogo com a Potássio do Brasil, o que acabou não acontecendo.

“Tentamos esclarecer, falar com advogados da empresa. O povo Mura e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) também participaram e o diálogo com a empresa não fluiu”, relembrou o procurador federal Fernando Soave. Com isso, foi expedida uma recomendação para a consulta ao povo Mura sobre esse empreendimento.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) do qual o Brasil é signatário desde 2004, esse tipo de consulta deve ser totalmente livre de pressões, coação, tentativa de subornos e ameaças. E nesse quesito a Potássio do Brasil foi reprovada, pois chegou ao conhecimento da promotoria várias denúncias do tipo.

Ipaam

Nesse momento entrou em cena o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que mesmo sendo um órgão estadual, emitiu licença para o empreendimento em terras indígenas, o que é claramente ilegal pois esse tipo de tema só pode ser tratado na esfera federal. Não era a primeira vez que o órgão cometia esse tipo de irregularidade.

Em agosto de 2021, a Justiça Federal condenou o Ipaam a anular as licenças concedidas irregularmente para as atividades de extração de ouro no leito do rio Madeira, em área de mais de 37 mil hectares, na região sul do Amazonas. A região próxima ao também ao municipío de Autazes foi invadida por centenas de garimpeiros em novembro daquele ano.

Desobediência contínua

Diante desse quadro, em 2016, o MPF ingressou com ação na Justiça Federal contra a realização do projeto. O órgão expediu ainda recomendação ao Ipaam, para que cancelasse a licença já expedida, e à Potássio do Brasil, para que suspendesse as atividades de pesquisa na região até a realização das consultas nos moldes previstos na legislação.

Com o impasse, a Potássio do Brasil passou a pressionar donos de propriedades e representantes do Mura que vivem na região para que vendessem suas terras. A situação escalou de tal forma que o MPF recorreu novamente à Justiça Federal pedindo a suspensão da licença concedida pelo Ipaam ao empreendimento e eventuais outras expedidas por órgãos ambientais para atividades de pesquisa e exploração naquela área, incluindo a Terra Indígena Soares/ Urucurituba.

A Potássio do Brasil então aceitou um acordo e começou um protocolo de consulta ao Povo Mura. Esse tipo de protocolo é bastante demorado, chegando a tramitar por até 8 anos. Nesse caso, porém, o protocolo foi construído rapidamente, sendo entregue em agosto de 2019. A consulta propriamente dita iria começar, quando surgiu a pandemia do coronavírus, em março de 2020, o que paralisou todas as atividades. Ou assim deveria.

Mesmo com a Covid-19 matando a população indígena e com o processo de consulta paralisado, o MPF-AM afirma que a Potássio do Brasil continuou as pressões e ameaças contra os Mura. Segundo o promotor Fernando Soave, a coisa estava tão grave que a juíza federal do caso, Jaiza Maria Fraxe, da da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas, decidiu ir ao local. Lá foi constatado que as atividades estavam acontecendo DENTRO das Terras Indígenas.

Com essa descoberta, o Ministério Público Federal do Amazonas entrou com ação na Justiça com pedido de liminar para suspender a consulta, uma vez que mineração em Terras Indígenas é proibido por lei. Agora, para que o empreendimento avance, será preciso primeiro a demarcação do território para que, aí sim, seja possível saber se a obra pode ser feita fora dela. O problema é que isso gerou uma onda de desinformação.

A justiça, por sua vez, deferiu parcialmente a liminar e pediu a manifestação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que por sua vez enviou uma equipe até o local para fazer a verificação inicial e assim constituir um Grupo de Trabalho (GT) que iniciaria o processo de demarcação. No entanto, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1), em Brasília, rejeitou a liminar, afirmando que o assunto não era urgente.

O problema é que esse clima de instabilidade e insegurança jurídica, somado ao interesse desenfreado da empresa de que o projeto saia do papel e da classe política, criaram um clima de tensão e medo no território, alimentado por muita desinformação.

Rede de Fake News

Uma das formas de exercer pressão sobre proprietários e povo Mura foi o uso maciço de desinformação sobre o processo que envolvia o empreendimento. Na visita das autoridades até a região, moradores relataram as pressões que eram feitas para a venda das propriedades com base nas chamadas fake news.

Em grupos de Whatsapp de empresários e fazendeiros da região, circularam boatos de que “a Funai ia tomar terra de fazendeiro”. Outros diziam que aqueles que não vendessem seus territórios os perderiam de graça após a consulta pública e demarcação das terras dos Mura ou que processo causaria perda financeira para a economia local.

Como consequência, os próprios comunitários passaram a ameaçar as lideranças indígenas e fazendeiros como forma de pressionar para que vendessem seus terrenos e no caso da etnia, que desistissem do registro das terras.

Lobby de políticos locais

Um fato que chamou atenção durante a coletiva foi como a classe política do Amazonas aderiu ao lobby da Potássio do Brasil ao longo dos últimos anos. Pra se ter uma ideia, em junho de 2022, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), recebeu o presidente da empresa Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, na sede de Governo, na zona oeste de Manaus.

O governador afirmou que iria mobilizar a equipe técnica do Governo do Estado para, juntamente com os órgãos competentes e a Potássio do Brasil, contribuir para a viabilizar a mineração de potássio em Autazes. Adriano Espeschit, na época, afirmou o local de atuação da empresa está 100% fora das terras indígenas, o que segundo processo não é verdade.

A empresa foi alvo de processo também por conta da instalação de placas do território indígena Soares/Urucurituba, em Autazes. Na ocasião do cumprimento da medida, a Polícia Militar do Amazonas esteve no local e atuou CONTRA a retirada, contrariando ordem judicial. Vale lembrar que até o vice-presidente Geraldo Alckmin se manifestou favorável ao projeto.

Rotina de medo

Durante a entrevista, lideranças e membros da etnia Mura relataram novas ameaças depois da visita da Funai à região, no final de março, para iniciar as discussões sobre a demarcação do território Soares/Urucurituba. Sérgio Mura afirmou que durante as reuniões, o clima de hostilidade já era visível.

Adnelson Mura afirmou ter recebido um bilhete deixado no conselho indígena local dizendo que “se (o projeto da) Potássio não acontecer, algum de vocês vai rodar”. Visivelmente emocionado, o Tuchaua Célio afirmou que a etnia já deixou claro no local não há qualquer interesse em prejudicar os empresários da região, o que não diminuiu as ameaças.

O também Tuchaua Nélson Pavão afirmou também ter recebido ameaças, inclusive da abordagem de um homem não identificado que disse que se o projeto não acontecesse, um deles desapareceria. Perguntado se teria procurado a polícia pra prestar queixa, o líder indígena afirmou que o fez, mas sem qualquer expectativa.

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