O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão completa e integral do funcionamento das atividades do Telegram no Brasil, até que o aplicativo de mensagens cumpra decisões judiciais. Segundo o ministro, o Telegram ignora a Justiça brasileira e despreza a legislação nacional, ao não atender comandos judiciais. A conduta de não se submeter a diretrizes governamentais a partir de princípios que regem a sua política de privacidade resultou em sanções em pelo menos 11 países, além do Brasil.
A determinação foi tomada nos autos da Petição (PET) 9935, que envolve Allan dos Santos, por solicitação da Polícia Federal (PF). Em sua decisão, o ministro cita descumprimento a reiteradas decisões do STF envolvendo as contas de Santos e o não atendimento ao convite feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para coibir a disseminação de notícias fraudulentas (fake news).
“O desprezo à Justiça e a falta total de cooperação da plataforma Telegram com os órgãos judiciais é fato que desrespeita a soberania de diversos países, não sendo circunstância que se verifica exclusivamente no Brasil e vem permitindo que essa plataforma venha sendo reiteradamente utilizada para a prática de inúmeras infrações penais”, disse o ministro.
Marco Civil da Internet
Para o relator, o desrespeito à legislação brasileira e o reiterado descumprimento de inúmeras decisões judiciais pelo Telegram, que opera no território brasileiro sem indicar seu representante, “é circunstância completamente incompatível com a ordem constitucional vigente”, além de contrariar expressamente dispositivo do Marco Civil da Internet (artigo 10, parágrafo 1º, da Lei 12.965/14).
No entender de Moraes, estão presentes os requisitos necessários para a decretação da suspensão temporária das atividades da plataforma, até que haja o cumprimento efetivo e integral das decisões, nos termos destinados aos demais serviços de aplicações na internet, conforme prevê o artigo 12, inciso III, do Marco Civil da Internet.
Intimação
O ministro determinou a intimação do presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Wilson Diniz Wellisch, para que adote imediatamente todas as providências necessárias para a efetivação da medida, devendo comunicá-las ao STF em, no máximo, em 24 horas.
A suspensão deve permanecer até o efetivo cumprimento das decisões judiciais anteriores (listadas na decisão), inclusive com o pagamento das multas diárias fixadas e com a indicação, em juízo, da representação oficial no Brasil (pessoa física ou jurídica).
Obstáculos tecnológicos
As empresas Apple e Google no Brasil foram intimadas para que insiram obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar a utilização do Telegram pelos usuários dos sistemas IOS e Android e retirem o aplicativo Telegram das lojas Apple Store e Google Play Store.
O mesmo deve se dar com relação às empresas que administram serviços de acesso a backbones no Brasil, aos provedores de serviço de internet (Algar Telecom, Oi, Sky, Live Tim, Vivo, Net Virtua e GVT e às empresas que administram serviço móvel pessoal e serviço telefônico fixo comutado.
Vazamento
Em razão de inúmeras publicações jornalísticas de trechos incompletos da decisão, que estava sob sigilo judicial, o ministro Alexandre de Moraes tornou-a pública e determinou a instauração de inquérito para apurar o vazamento da informação por um usuário da rede social Twitter.
Advogado explica a decisão
Segundo Francisco Gomes Júnior, presidente da ADDP (Associação de Defesa de Dados Pessoais e Consumidor) e advogado especialista em direito digital, esta é uma decisão polêmica, mas fundamentada juridicamente. “Basta lembrarmos que o WhatsApp já foi objeto de bloqueio pelos mesmos motivos no passado e após isso se adequou à nossa legislação. No caso do Telegram, o Serviço de Repressão a Crimes de Ódio e Pornografia Infantil (SERCOPI) da Polícia Federal informou que o Telegram está dentre os aplicativos de mensageria mais usados pelos abusadores sexuais de crianças e nestes casos, o mínimo que se espera é uma postura colaborativa diante de investigações criminais”.
Os críticos da decisão judicial argumentam que ela fere a liberdade de expressão, interferindo em um aplicativo de mensagens que apenas permite o trânsito de informações, sem nenhum tipo de censura. Por conta de uma minoria de criminosos, impedir que milhões de pessoas possam utilizar o aplicativo para suas conversas privadas ou mesmo empresarialmente seria um ato desproporcional.
“O que se pede é que o Telegram indique um representante no Brasil para receber as demandas policiais e judiciais na forma da lei. De fato, a decisão causará transtorno para milhares ou milhões de pessoas, mas não há como tecnicamente selecionar somente contatos de criminosos para sem bloqueados. Mais fácil é o Telegram atender pedidos policiais e judiciais, imagine um crime de sequestro em andamento em que se requer informações do Telegram e ele simplesmente ignora a requisição, não parece razoável”, complementa Gomes Junior.
O tema está gerando enorme repercussão, com opiniões favoráveis e críticas e o debate irá perdurar enquanto não se defina definitivamente a situação. O poder excessivo que as empresas de tecnologia detêm atualmente deve ser analisado amplamente, sabemos que grandes corporações por manipular milhoes de nossos dados pessoais acabam tendo uma relevância excessiva, constituindo-se no denominado “oligopólio das big techs”.
No Brasil, as atividades de internet são reguladas pelo Marco Civil da Internet. Além disso, as mídias sociais estão sujeitas ao cumprimento das ordens judiciais pelo princípio da inafastabilidade jurisdicional previsto no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. As empresas de mídias sociais devem atender a ordens de quebra de sigilo de dados ou comunicações para deixar indisponível conteúdo ilícito gerado por terceiros.
“Ao não atender a ordens judiciais, o Telegram sujeita-se a sanções e, dentre elas, encontra-se o da suspensão temporária dos serviços, prevista no art. 12 do Marco Civil da Internet. O que se espera, doravante, é uma razoabilidade da empresa para que seus usuários não sejam prejudicados. Além do aspecto jurídico formal, sempre bom salientar que não existe liberdade de expressão absoluta, não há liberdade de ofensa ou de infração à lei”, finaliza o especialista.
Opinião do Vocativo
Decisão totalmente justa. Nenhuma empresa opera no Brasil sem respeitar a lei e a jurisdição do país. O direito coletivo de ter a Constituição respeitada se sobrepõe ao direito individual de uma empresa.