Opinião

Admitir que Dilma sofreu um golpe não te faz petista

Como posso apoiar o Estado Democrático de Direito e me negar a chamar um esquema fraudulento para prejudicar uma pessoa de golpe?

Uma fala do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) trouxe mais uma vez à tona o debate sobre as circunstâncias da saída da ex-presidente Dilma Rousseff do poder em 2016. Lula chamou o processo de golpe, causando escândalo entre seus críticos e uma chuva de análises jurídicas por especialistas. O fato a ser analisado aqui não é a forma, mas o conteúdo. E o que aconteceu foi claramente um golpe.

Dentre os argumentos utilizados está o fato de que o processo tramitou pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sem contestação. É verdade. Antes de mais nada, é preciso entender que o STF não analisou o mérito, mas a sua legalidade. E, de fato, do ponto de vista administrativo, ele correu conforme a lei. Mas a questão vai muito além da mera formalidade processual.

Há dois pontos a respeito desse processo que precisam ser analisados. Primeiro: diversos agentes dele atuaram de maneira corrompida. A começar pelo próprio presidente da Câmara na época, Eduardo Cunha, que foi preso e condenado pela mesma corrupção que os defensores do “impeachment” diziam combater. Segundo: os elementos que condenaram, mais tarde inocentaram Dilma.

A ex-presidente foi condenada por “pedaladas fiscais” por supostas irregularidades em operações de crédito entre o Tesouro Nacional e bancos públicos como o BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal no ano de 2015. Pois bem, aos fatos: em março de 2022, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região  (RJ e ES) extinguiu processo por falta de provas.

Em setembro, o Ministério Público Federal (MPF) arquiva o inquérito, afirmando que “fica explícito na decisão a não existência e comprovação de crime”. Antes disso, em dezembro de 2022, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) do mesmo Senado que condenou Dilma aprovou as contas presidenciais de 2014 e 2015, dois últimos anos do seu governo.

E não podemos esquecer o contexto histórico no qual o “impeachment” estava inserido, onde a Operação Lava Jato atacava diversos setores da classe política brasileira que não contava com interferências na Polícia Federal ou na Procurador Geral da República para se proteger.

No auge daquele momento, o então o ministro do Planejamento, senador licenciado Romero Jucá (PMDB-RR), ao saber que estava na alça de mira do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, dispara um dos diálogos mais emblemáticos da história do Brasil, sugerindo “botar o Michel [Temer, vice de Dilma, que seria presidente com sua deposição] num grande acordo nacional. Com o Supremo, com tudo”.

Agora vamos refletir por um momento: eu ocupo um cargo público legítimo. Um grupo de pessoas poderosas conspira para me tirar desse cargo, usa argumentos frágeis que a justiça mais tarde considera inadequados e me inocenta. Como chamar isso senão uma enorme armação, um golpe? Aqui não interessa a orientação ideológica. Importante: admitir que Dilma sofreu um golpe não te faz petista ou de esquerda.

Ora, como posso apoiar o conceito de Estado Democrático de Direito e me negar a chamar um esquema fraudulento para prejudicar uma pessoa em benefício próprio de golpe? Isso é simplesmente incompatível Um golpe financeiro não se torna lícito porque o gerente do banco autoriza a operação após ser induzido ao erro pelos golpistas. Isso é elementar.

E também é preciso parar com esse discurso cretino de que “é preciso pacificar o país”. O Brasil não está em guerra. O que acontece é que temos um grupo de arruaceiros que simplesmente acha que pode rasgar a Constituição em nome das suas vontades. E sabe quando isso começou? Exatamente quando depuseram uma presidente – gostassem ou não dela – de maneira ilegal.

O ataque às instituições não começou em 8 de janeiro de 2023. Começou em 2014 quando não reconheceram o resultado das urnas. O Brasil não precisa ser pacificado. Precisa parar com esse discurso hipócrita e pseudo-isento e fazer valer sua constituição. Isso inclui começar admitindo erros do passado e cobrando seus responsáveis.

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