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Desmatamento já causa 28 mil mortes anuais por calor em todo o mundo

Desmatamento em regiões tropicais causou 28 mil mortes anuais por calor extremo entre 2001 e 2020. Impacto térmico da derrubada florestal é mais intenso na Amazônia, onde o aquecimento médio associado ao desmatamento chegou a +0,53 °C

Um estudo publicado nesta quarta-feira (27/08/2025) na revista Nature Climate Change lança luz sobre um fenômeno até agora pouco mensurado em escala global: a relação direta entre o desmatamento de florestas tropicais e a mortalidade humana causada pelo calor extremo. Conduzida por cientistas do Instituto de Ciência do Clima e Atmosfera da Universidade de Leeds (Reino Unido), em parceria com a Fiocruz e a Universidade Kwame Nkrumah de Ciência e Tecnologia (Gana), a pesquisa reuniu dados de todas as regiões tropicais do planeta — Américas, África e Ásia — para avaliar, pela primeira vez, a dimensão pantropical desse impacto.

Os números revelam uma crise silenciosa: entre 2001 e 2020, aproximadamente 345 milhões de pessoas foram expostas ao aquecimento local induzido pelo desmatamento, que aumentou em média 0,27 °C a temperatura da superfície terrestre nas áreas afetadas. Esse aquecimento está associado a cerca de 28.330 mortes não acidentais por ano, podendo chegar a 33.560, conforme o intervalo estatístico considerado.

A floresta cai, o calor mata

O estudo identificou que a perda de florestas tropicais no período foi da ordem de 1,6 milhão de km²: 760 mil km² nas Américas Central e do Sul (incluindo a Amazônia), 490 mil km² no Sudeste Asiático e 340 mil km² na África. Essa devastação se traduziu em um aquecimento desproporcional. Regiões preservadas registraram aumento médio de +0,20 °C, enquanto áreas desmatadas chegaram a +0,70 °C, mais de três vezes superior.

Esse salto térmico tem efeito direto na saúde: em áreas onde o desmatamento foi mais intenso, como Indonésia e Sudeste Asiático continental, a taxa de mortalidade por calor variou entre 8 e 11 óbitos para cada 100 mil habitantes expostos. No total, a Ásia concentra mais da metade das mortes anuais estimadas — 15.680. A África tropical aparece em segundo lugar, com 9.890 óbitos anuais, e as Américas Central e do Sul somam 2.520.

A Amazônia no centro da crise

Apesar de a Amazônia apresentar menor densidade populacional em comparação com Ásia e África, os impactos locais são profundos. O Arco do Desmatamento, região que se estende do sul e leste da floresta até o Cerrado, desponta como uma das áreas com maior aumento de temperatura associado à perda de cobertura vegetal.

Na Amazônia brasileira, cerca de 30,7 milhões de pessoas vivem em áreas que sofreram desmatamento entre 2001 e 2020. Destas, 21,6 milhões foram expostas diretamente ao aquecimento induzido pela derrubada da floresta. A estimativa do estudo é de 990 mortes anuais atribuídas ao calor nessas áreas — um número aparentemente menor em relação à Ásia, mas que ganha peso quando se considera a escassez de infraestrutura e a vulnerabilidade social de comunidades amazônicas.

Outro dado relevante é que, no Brasil, o aquecimento médio associado ao desmatamento chegou a +0,53 °C, superior ao registrado no Sudeste Asiático (+0,37 °C) e próximo ao da África (+0,39 °C). Isso significa que, embora o número de mortes seja menor por conta da baixa densidade populacional, o impacto térmico da derrubada florestal é mais intenso na Amazônia.

O calor que corrói trabalho e saúde

Os efeitos vão além da mortalidade. O aquecimento causado pelo desmatamento compromete a capacidade laboral de milhões de pessoas. Entre 2003 e 2018, aproximadamente 2,8 milhões de trabalhadores tropicais foram expostos a níveis de calor acima do limite seguro para o trabalho ao ar livre. No caso da Amazônia, isso inclui populações ribeirinhas, extrativistas e agricultores familiares, que dependem de atividades externas para sobreviver.

A exposição prolongada ao calor extremo compromete o desempenho físico e cognitivo e aumenta os riscos de doenças cardiovasculares, desidratação e colapsos relacionados à temperatura. Os pesquisadores lembram que os impactos são ainda mais graves em países de baixa renda, onde o acesso a tecnologias adaptativas, como ar-condicionado, é restrito.

Na Amazônia brasileira, essa vulnerabilidade é evidente: comunidades indígenas, populações tradicionais e trabalhadores rurais são afetados por condições de calor intenso sem a devida cobertura de políticas públicas de saúde e infraestrutura.

Impacto desigual

Segundo o levantamento, dos 3,5 bilhões de habitantes das zonas tropicais, 452 milhões vivem em áreas que sofreram desmatamento entre 2001 e 2020. Desse total, 33 milhões foram expostos a aumentos de temperatura superiores a +1 °C; 8 milhões a mais de +2 °C; e 2,6 milhões a mais de +3 °C.

Na África tropical, 148 milhões de pessoas foram impactadas; no Sudeste Asiático, 122 milhões; e nas Américas Central e do Sul, 67 milhões. Na Amazônia, a exposição é menor em números absolutos devido à dispersão populacional, mas os efeitos locais são severos, já que o desmatamento se concentra em áreas de fronteira agrícola e de expansão urbana, justamente onde vivem populações em situação de maior vulnerabilidade.

Desmatamento como questão de saúde pública

A coautora do estudo, a pesquisadora da Fiocruz Piauí, Beatriz Oliveira, ressalta que o desmatamento não é apenas um problema ambiental, mas também de saúde pública:

“Além da regulação climática, os serviços ecossistêmicos florestais são essenciais para o bem viver e a qualidade de vida das populações locais. Assim, a redução do desmatamento também é uma questão de saúde pública, pois evitamos mortes por calor e garantimos condições climáticas mais favoráveis para populações em situação de vulnerabilidade”, afirmou.

Amazônia: um alerta antecipado

Os autores do estudo lembram que o aquecimento induzido pelo desmatamento pode representar mais de um terço das mortes relacionadas ao calor atribuídas às mudanças climáticas. Para a Amazônia, isso reforça a gravidade do avanço da fronteira do desmatamento e seus efeitos invisíveis: não apenas perda de biodiversidade e emissão de carbono, mas também impacto direto sobre a saúde das populações locais.


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