A região amazônica registrou um crescimento alarmante nos alertas de desmatamento em maio de 2025. Segundo dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o aumento foi de 92% em comparação ao mesmo período de 2024, totalizando 960,3 km² de área desmatada. O estado do Amazonas respondeu por 142 km², ficando atrás apenas de Mato Grosso (627 km²) e Pará (145 km²). No Amazonas, 64,5% da área desmatada foi registrada em Florestas Públicas Não Destinadas (FPNDs), apontando para a atuação da grilagem de terras como um dos principais vetores da destruição.
Apesar da gravidade do cenário, o Governo do Amazonas lançou em fevereiro de 2025 o Mutirão de Retificação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) 2025, voltado à regularização de imóveis rurais no Baixo Amazonas. A ação foi acompanhada da abertura de inscrições para o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que prevê o repasse de até R$ 28 mil anuais a produtores que preservarem a floresta.
O programa foi anunciado como uma iniciativa de incentivo à conservação ambiental, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e o PNUD, por meio do projeto Floresta+ Amazônia. No entanto, especialistas alertam que, em um contexto de alta pressão fundiária e expansão de registros irregulares no CAR, medidas desse tipo — quando implementadas sem controle rigoroso e transparência — podem acabar sendo cooptadas por agentes que atuam na grilagem de terras públicas.
Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), 32,7 milhões de hectares de FPNDs na Amazônia estão sob risco de grilagem, já que foram autodeclaradas no CAR como propriedades privadas, mesmo sem registro fundiário. Em abril de 2025, o desmatamento em FPNDs cresceu 229% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Essas áreas estão entre as mais visadas por grileiros, que se antecipam à regularização oficial para tentar transformar terras públicas em ativos privados.
O cenário foi criticado por organizações socioambientais como o Greenpeace Brasil. A entidade destaca que a grilagem de terras públicas continua sendo o principal motor do desmatamento na Amazônia e alerta que “o Estado segue ausente na destinação e fiscalização dessas áreas”. Em nota, o Greenpeace afirmou que “esse vácuo de governança é ocupado pela criminalidade ambiental, que se vale de instrumentos como o CAR para tentar dar aparência de legalidade à apropriação e destruição de terras públicas”.
A ONG também alertou para o uso distorcido do CAR: “Muitos grileiros inserem informações falsas no sistema, registrando imóveis inexistentes ou sobrepondo-se a terras públicas. A omissão do poder público diante disso transforma o CAR em uma ferramenta de legalização da grilagem”. A organização reforça que qualquer política pública de regularização fundiária deveria ser precedida pela destinação oficial das terras, fiscalização ativa e responsabilização dos infratores.
A Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas afirmou que o programa Floresta+ visa valorizar pequenos produtores e comunidades tradicionais, e que o mutirão oferece apoio técnico para garantir que os imóveis estejam em conformidade com a legislação ambiental. Ainda assim, o avanço simultâneo da regularização e do desmatamento em áreas críticas levanta dúvidas sobre a eficácia dos mecanismos de controle e fiscalização.
A análise dos focos de calor entre agosto de 2024 e maio de 2025 indica que 23,7% ocorreram em florestas nativas, com mais da metade do desmatamento registrado no mês de maio ocorrendo em áreas onde havia vegetação, segundo o Ministério do Meio Ambiente. A situação é agravada pela proposta de flexibilização do licenciamento ambiental, em tramitação no Congresso Nacional por meio do PL 2159/2021, que, segundo organizações socioambientais, pode estimular ainda mais a grilagem e o desmatamento em regiões sob pressão fundiária.
Embora o governo estadual defenda que a iniciativa de retificação do CAR seja voltada para pequenos agricultores, especialistas apontam que a ausência de medidas robustas contra o uso indevido do cadastro pode gerar brechas para legalizar ocupações ilegais. Com isso, mesmo ações com discurso de sustentabilidade correm o risco de, na prática, facilitar a expansão do desmatamento.
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