Territórios

Amazônia está em risco com PL da Devastação, alerta IPAM

O PL 2.159/2021 reduz a participação de órgãos especializados no processo de licenciamento, especialmente em áreas que afetam terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação. Empreendimentos de médio impacto poderão funcionar com simples autodeclaração

A recente aprovação do PL da Devastação (Projeto de Lei nº 2.159/2021) pelo Senado Federal acendeu um alerta vermelho entre ambientalistas, cientistas e organizações da sociedade civil. Para o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a medida representa um retrocesso histórico nas políticas de proteção ambiental do Brasil e ameaça a reputação do país no cenário internacional às vésperas da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30), que ocorrerá em Belém, em novembro.

O projeto simplifica as regras do licenciamento ambiental, um instrumento consolidado há mais de 40 anos no país e que tem como objetivo assegurar que empreendimentos com potencial poluidor sejam avaliados de forma criteriosa antes de sua instalação. Para o IPAM, o texto flexibiliza de forma preocupante a regulação ambiental em nome da agilidade e do desenvolvimento econômico, ignorando riscos socioambientais e jurídicos.

Licenciamento ambiental mais rápido, mas mais frágil

Segundo Gabriela Savian, diretora de Políticas Públicas do IPAM, a simplificação do licenciamento pode trazer consequências opostas ao que se propõe. “A agilidade dos processos a partir da sua simplificação não leva a uma maior eficiência, e sim à fragilização ambiental e climática. Isso gera inseguranças para as atividades econômicas, além de aumentar os riscos para os investimentos”, alerta.

Embora o texto aprovado no Senado traga avanços em relação à versão da Câmara dos Deputados — como o aumento da pena para obras ilegais e a classificação da mineração como atividade de alto risco —, o IPAM destaca que os retrocessos ainda superam os avanços.

LAC e exclusões no licenciamento

A maior crítica recai sobre a criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Esse tipo de licença permitiria que empreendimentos de baixo e médio porte e potencial poluidor operassem apenas com uma autodeclaração de cumprimento das normas ambientais, sem análise individual prévia. Na prática, isso enfraquece o controle preventivo e transfere a responsabilidade quase exclusivamente ao empreendedor.

O IPAM adverte que decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal limitam esse tipo de licença a projetos de baixo impacto ambiental, e ampliá-la para empreendimentos maiores pode aumentar a judicialização e a insegurança jurídica — o oposto do que o projeto alega buscar.

Além disso, o projeto isenta atividades agropecuárias de pequeno porte, como cultivo agrícola e pecuária intensiva, da necessidade de licenciamento. Também dispensa estudos de impacto ambiental para atividades consideradas “sem risco”, ou justificadas por razões de soberania nacional ou emergência pública, abrindo brechas para abusos e interpretações arbitrárias.

Outro ponto alarmante é a redução da participação de órgãos como a Funai e o ICMBio, comprometendo a análise de impactos indiretos sobre terras indígenas e quilombolas — muitas delas ainda em processo de regularização. Para o IPAM, essa exclusão institucionaliza uma invisibilidade jurídica de populações vulneráveis e enfraquece a proteção de áreas sensíveis da Amazônia.

Contradição com os compromissos internacionais

A aprovação do PL acontece num momento em que o Brasil tenta retomar o protagonismo nas negociações climáticas internacionais. A realização da COP30 em Belém, no coração da Amazônia, foi celebrada como um símbolo desse compromisso. No entanto, medidas como a flexibilização do licenciamento ambiental passam um sinal contraditório à comunidade internacional.

“O Brasil tem uma oportunidade única de liderar o debate climático global, mas precisa estar à altura dessa responsabilidade. Medidas como essa enfraquecem a credibilidade do país e colocam em risco compromissos climáticos assumidos internacionalmente”, afirma Savian.

Caminhos possíveis

Reconhecendo os gargalos no atual sistema de licenciamento, o IPAM defende uma abordagem diferente: fortalecimento dos órgãos licenciadores, modernização tecnológica e capacitação de servidores públicos. Para a entidade, apenas com uma estrutura técnica sólida e bem equipada será possível acelerar os processos sem abrir mão da proteção ambiental e da segurança jurídica.


Descubra mais sobre Vocativo

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.