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Lobby por data centers avança no Amazonas e acende alerta ambiental

O lobby por data centers no Amazonas cresce em meio a alertas sobre limites ambientais e infraestrutura precária. Pesquisadores afirmam que o consumo elevado de água e energia pode agravar crises hídricas e elevar custos para a população local

Manaus, 28 de dezembro de 2025 – Um lobby silencioso avança para instalar os chamados data centers no Amazonas, mesmo com evidências de que essas estruturas podem causar graves problemas, como o desabastecimento de água e aumento na tarifa para os consumidores. Com pouca repercussão, ogovernador Wilson Lima (União Brasil) assinou no último dia 18 de dezembro um acordo que deve acelerar a implementação deste tipo de serviço no estado a partir de 2026.

A primeira manifestação pública ocorreu em 10 de novembro, pouco antes da COP30, em Belém, quando o senador Eduardo Braga (MDB-AM) defendeu nas redes sociais que o estado deveria disputar o que chamou de nova fronteira da economia mundial. “Trazer data centers para o nosso estado significa gerar empregos qualificados, fortalecer a Zona Franca, atrair tecnologia de ponta e impulsionar o desenvolvimento sustentável da Amazônia”, afirmou o parlamentar.

Dois meses depois, no entanto, a pauta ganhou novo patamar institucional. No último dia 17 de dezembro, durante o seminário “Amazonas – Polo para Datacenters Soberanos e Sustentáveis”, realizado em Manaus, o governador Wilson Lima assinou um termo de cooperação técnica com o Instituto Brasileiro de Soberania Digital (IBSD). O documento inseriu oficialmente o Executivo estadual na construção de políticas voltadas à expansão desse tipo de infraestrutura digital.

Termo sobre data centers foi assinado no último dia 17 de dezembro, durante o seminário “Amazonas – Polo para Datacenters Soberanos e Sustentáveis”, realizado em Manaus. Foto: Antonio Lima/Secom

“Estruturas como os data centers são estratégicas para o Amazonas, considerando nossos desafios logísticos e a necessidade de garantir segurança e continuidade dos serviços. Reunimos todas as condições para avançar nessa política, que será uma grande tendência nos próximos anos”, afirmou o governador.

O evento contou com a participação de instituições e empresas como a Associação Brasileira de Data Center (ABDC), Click IP, Eneva, Escola Superior de Tecnologia da UEA, FGV Energia, HDT Huawei, Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Instituto Brasileiro de Soberania Digital (IBSD), Planck e Positivo Tecnologia, reforçando a confiança do mercado no potencial do Amazonas e o compromisso coletivo com o desenvolvimento sustentável da região.

O acordo prevê a realização de diagnósticos sobre a maturidade digital do estado, avaliação da infraestrutura existente e produção de estudos para orientar políticas públicas ligadas à soberania digital. Sem repasse de recursos financeiros, diz o governo. Se o discurso é atraente e fala em progresso e desenvolvimento, a realidade é outra. Mas para entender os riscos, antes é preciso saber o que são essas estruturas.

O que são e quais os riscos dos data centers

Os data centers são grandes complexos tecnológicos responsáveis por armazenar, processar e distribuir dados digitais — sustentando desde redes sociais e sistemas bancários até plataformas de inteligência artificial e computação em nuvem. Para operar, seus milhares de servidores eletrônicos funcionam continuamente e geram uma quantidade intensa de calor.

Para evitar o superaquecimento, esses sistemas exigem métodos constantes de resfriamento, sendo o mais comum o uso de água em torres de refrigeração. Em muitos casos, o consumo hídrico de um único data center pode chegar a milhões de litros por dia, dependendo da tecnologia, do clima local e da eficiência energética das instalações.

Essa demanda elevada transforma a água em um dos principais insumos críticos para o setor — e também em uma fonte crescente de impactos ambientais e sociais, especialmente em regiões que já enfrentam escassez hídrica ou infraestrutura limitada de abastecimento.

Data centers são grandes complexos tecnológicos responsáveis por armazenar, processar e distribuir dados digitais. Foto: Freepik

Vale lembrar, no entanto, que Manaus já abriga um data center regional, operado principalmente pela Processamento de Dados Amazonas S.A. (Prodam), responsável por hospedar sistemas do governo estadual, como serviços de saúde, segurança e arrecadação. A estrutura, inaugurada em 2014, foi projetada para atender às demandas públicas locais, com capacidade limitada em comparação aos grandes complexos privados.

Alta demanda de água

Estudos recentes, como o artigo Data centre water consumption publicada na revista científica Clean Water, indicam que o resfriamento de servidores em data centers pode consumir milhões de litros de água por dia, dependendo da tecnologia utilizada e das condições climáticas. O Relatório “Water use in AI and Data Centres”, do governo do Reino Unido de 2025 reforça o alerta, destacando que a expansão desses complexos tem potencial de aumentar tarifas e gerar escassez de água em áreas urbanas.

Casos concretos já demonstraram esses riscos. No Chile, em 2023, o projeto de um data center do Google na comuna de Cerrillos, região metropolitana de Santiago, foi paralisado por decisão judicial após denúncias de que o empreendimento consumiria volumes significativos de água em uma região que já enfrentava racionamento e estiagem severa. O projeto precisou ser redimensionado, com novas medidas de mitigação hídrica impostas pelas autoridades ambientais.

Situação semelhante ocorreu na Austrália, onde uma investigação publicada pela Reuters em 2024 revelou que a concentração de data centers na região de Sydney estava provocando escassez de água e aumento da temperatura local. O governo do estado de Nova Gales do Sul chegou a considerar uma moratória temporária para novas licenças até a revisão das regras de sustentabilidade do setor.

Efeitos econômicos e sociais

Nos Estados Unidos, a rápida expansão dos data centers no estado da Virgínia, que concentra um dos maiores polos do mundo, gerou impactos na infraestrutura elétrica e hídrica local. Um relatório da Joint Legislative Audit and Review Commission (JLARC) publicado em 2023 mostrou que o crescimento desses empreendimentos elevou o custo de manutenção de redes de energia e água, pressionando o orçamento público e afetando as tarifas dos consumidores residenciais.

Reportagem do The Washington Post no mesmo período relatou que comunidades próximas a grandes instalações de tecnologia enfrentavam quedas de pressão na rede de água e aumento do custo de eletricidade, já que a ampliação da capacidade era financiada parcialmente com recursos estaduais.

Na América Latina, além do caso chileno, projetos de data centers no Nordeste do Brasil também levantaram preocupações. Em Caucaia (CE), em 2024, o anúncio de um empreendimento de grande porte gerou reação de moradores e especialistas, que alertaram para o risco de uso intensivo de poços artesianos em uma região historicamente marcada pela escassez hídrica. As discussões levaram à revisão do licenciamento e ao pedido de estudos complementares sobre o impacto no aquífero local.

Amazônia enfrenta desafios de infraestrutura hídrica

Os estudos internacionais sobre o setor apontam que o impacto ambiental de data centers não se limita à operação direta, mas também à infraestrutura necessária para sustentá-los. O relatório da Harvard Electricity Law Initiative (2024) demonstra que a construção de novas linhas de energia, sistemas de resfriamento e abastecimento hídrico costuma ser subsidiada com recursos públicos, o que pode encarecer tarifas e gerar conflitos de uso da água entre populações locais e empreendimentos de alta demanda.

No contexto amazônico, esses riscos são ampliados. Manaus e outras cidades do estado do Amazonas enfrentam sazonalidade de chuvas, baixa cobertura de saneamento básico e perdas expressivas na rede de distribuição de água, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Sem planejamento integrado, a chegada de empreendimentos de grande porte pode agravar a pressão sobre a infraestrutura existente e comprometer o acesso à água potável em períodos de estiagem.

Embora o senador Eduardo Braga defenda que a matriz elétrica do Amazonas é “limpa e estratégica”, os especialistas alertam que a sustentabilidade energética não elimina os impactos hídricos. Em regiões tropicais, o resfriamento de data centers é especialmente desafiador, exigindo volumes consideráveis de água ou energia para manter as temperaturas estáveis.

Amazonas enfrentou crise hídrica entre os anos de 2023 e 2024. Foto: Fred Santana

A experiência internacional mostra que, sem avaliações ambientais rigorosas, transparência sobre consumo hídrico e garantias de compensação às populações afetadas, a promessa de desenvolvimento tecnológico pode se transformar em novo vetor de desigualdade ambiental.

Alertas sobre impactos socioambientais

Para Júlia Catão Dias, coordenadora do programa de consumo responsável e sustentável do IDEC, os riscos de instalação de data centers na Amazônia são altos. Ela afirma que “outros territórios também, como essas infraestruturas, são infraestruturas que para funcionar, elas dependem de uma quantidade bizarra, de água, de energia”. Segundo Júlia, “o que a gente tem visto e acompanhado em outros países e territórios é que essa demanda desses bens naturais acaba sobrecarregando os sistemas onde elas são instaladas”, declarou ao Vocativo.

A gente vê com muita preocupação a instalação desses data centers em regiões que já convivem com algum tipo de estresse hídrico ou energético

Júlia Catão Dias, coordenadora do programa de consumo responsável e sustentável do IDEC

Ela explica que, em regiões com escassez hídrica ou redes elétricas frágeis, os governos e políticas públicas muitas vezes direcionam água e energia para os data centers, em detrimento das populações locais. “A gente vê com muita preocupação a instalação desses data centers em regiões que já convivem com algum tipo de estresse hídrico ou energético, por essas razões”, afirmou.

Sobre políticas de incentivo, Júlia reforça que “qualquer política de atração de data centers deveria fazer uma avaliação, de fato, dos limites planetários. O planeta tem um limite e a gente tem que considerar esse limite na hora de desenhar políticas que vão impulsionar o uso de recursos naturais”.

Segundo ela, tais critérios poderiam incluir normas vinculantes para assegurar que, em caso de escassez hídrica ou falha elétrica, o consumo das pessoas nas suas casas seja garantido.

Ela complementa que deveriam ser realizados estudos prévios para entender quanto, de fato, a Amazônia suporta a chegada dessas infraestruturas, qual é o risco hídrico efetivo para as populações e estabelecer alguns critérios e requisitos.

Júlia ressalta ainda que os data centers considerariam os limites planetários, deveriam ser feitos estudos prévios que assegurassem que essas infraestruturas não vão acabar com toda a água e com toda a energia da região. “As outras salvaguardas deveriam ser garantidas: que a chegada não aumente o preço da energia, não aumente o preço da água e que o uso seja priorizado para pessoas e serviços essenciais”, afirmou.

Propostas tramitando no legislativo

Atualmente, há três propostas em tramitação no legislativo que tratam do tema dos data centers. O PL 3018/2024, do Senado Federal, regulamenta os data centers de inteligência artificial, definindo operadores, padrões de segurança, eficiência energética e transparência. O projeto está em tramitação com audiências públicas previstas.

O PL 2080/2025, da Câmara dos Deputados, institui a Política Nacional de Eficiência Energética e Sustentabilidade Socioambiental para Data Centers, propondo diretrizes para uso eficiente de água e energia, redução de emissões e manejo ambiental de resíduos.

A Medida Provisória 1318/2025 cria o regime especial ReData, com isenção ou redução de tributos federais para atrair grandes data centers. Em contrapartida, exige o uso de energia limpa e investimento em pesquisa e desenvolvimento.


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