Territórios

Incêndios colocam Amazônia perto do ponto de não retorno

Estudo regional aponta aumento expressivo de áreas queimadas na Amazônia, impulsionado por secas severas, mudanças climáticas e uso predatório do fogo, com impactos diretos sobre florestas tropicais, biodiversidade e modos de vida tradicionais

MANAUS (AM) – Os incêndios florestais se tornaram, em 2024, o maior fator de perda de florestas tropicais no planeta, superando o desmatamento, com impactos diretos sobre a Amazônia. É o que mostra levantamento Fronteiras do Fogo da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e parceiros, divulgado no último dia 9. O fenômeno foi impulsionado pela combinação entre mudanças climáticas, secas severas, desmatamento, grilagem de terras e uso predatório do fogo.

De acordo com o documento, a região amazônica concentra cerca de 79% de florestas tropicais úmidas, ecossistemas altamente sensíveis ao fogo. Em 2024, a área queimada na Amazônia chegou a 16 milhões de hectares, número 116% superior à média anual registrada entre 2015 e 2023. O total de focos de calor alcançou 215 mil, representando um aumento de 55% em relação à média histórica do período analisado.

O secretário-geral da OTCA, Martín von Hildebrand, destaca que o avanço dos incêndios ultrapassa uma dimensão ambiental e ameaça a própria continuidade da floresta. “Os incêndios florestais ameaçam não apenas a integridade da floresta, mas também a memória ancestral e a própria continuidade da vida na Amazônia”, afirmou.

Fogo descontrolado avança sobre florestas e áreas protegidas

O levantamento aponta que, entre 2015 e 2024, aproximadamente 83 milhões de hectares foram queimados dentro da própria região amazônica. O Brasil concentrou 54% dessa área, com cerca de 45 milhões de hectares, seguido pela Bolívia, responsável por 36%, o equivalente a quase 30 milhões de hectares. Em termos proporcionais, a Bolívia foi o país mais afetado, com 60% de sua porção amazônica atingida pelo fogo no período.

A publicação alerta que o fogo, historicamente ausente da dinâmica natural das florestas tropicais úmidas, passou a ocorrer com maior frequência, intensidade e imprevisibilidade. Esse cenário tem sido agravado por secas extremas, como as registradas em 2023 e 2024, que aumentaram a inflamabilidade da vegetação e facilitaram a propagação de incêndios de grandes proporções.

Segundo o documento, a degradação florestal causada pelo fogo compromete a capacidade de regeneração da floresta, altera ciclos hidrológicos e amplia emissões de carbono, com impactos que ultrapassam as fronteiras amazônicas. “Cada hectare de floresta consumido pelo fogo libera toneladas de carbono na atmosfera e acelera o colapso climático”, afirmou Martín von Hildebrand.

Uso predatório do fogo e risco de colapso do bioma

O relatório identifica o uso predatório do fogo — associado à grilagem de terras, expansão agropecuária ilegal e mineração — como o principal motor dos incêndios florestais extremos. Essas práticas desconsideram fatores climáticos e ecológicos, elevando drasticamente o risco de o fogo sair do controle.

O coordenador técnico do projeto CoRAmazonia, Fernando Rodovalho, explica que a Amazônia vive uma ruptura no equilíbrio histórico do uso do fogo. “Fora dos contextos tradicionais, o fogo se tornou uma ferramenta de ocupação desordenada da terra, contribuindo para a degradação progressiva da floresta”, disse.

O documento alerta que a recorrência de incêndios aproxima a Amazônia de um ponto de não retorno, no qual o bioma pode perder a capacidade de se regenerar e sustentar os regimes de chuvas, a biodiversidade e os modos de vida tradicionais. Estimativas citadas no estudo indicam que até 47% da Amazônia pode colapsar até 2050 caso as pressões atuais não sejam revertidas.


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