Engrenagens

Com um voto de Plínio Valério, Senado reduz penas de golpistas do 8 de janeiro

Senado aprovou o PL da Dosimetria, que reduz penas e altera a execução penal dos condenados pelo 8 de janeiro. Apenas Plínio Valério votou pelo Amazonas; Eduardo Braga e Omar Aziz não compareceram. Renan Calheiros denunciou acordo entre governo e oposição

Manaus, 17 de dezembro de 2025 – O Plenário do Senado aprovou, nesta quarta-feira (17/12/2025), o Projeto de Lei nº 2.162/2023, que altera a dosimetria e as regras de execução penal aplicadas a condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, em uma votação que terminou com 48 votos favoráveis, 25 contrários e uma abstenção, e encaminhou o texto para sanção da Presidência da República.

Dos três senadores amazonenses, apenas Plínio Valério (PSDB) votou a favor da proposta. Eduardo Braga (MDB) e Omar Aziz (PSD) não compareceram à sessão. O projeto é de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RS).

Conhecida como PL da Dosimetria, a proposta altera a forma de cálculo das penas aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos processos relacionados à tentativa de ruptura institucional ocorrida em Brasília, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas.

Acusações de acordo entre governo e oposição

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou, durante a análise do PL da Dosimetria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), teria proposto um acordo para viabilizar a votação do projeto em troca de apoio da oposição a outra matéria de interesse do governo, relacionada à agenda econômica e tributária, incluindo propostas de aumento de tributos sobre apostas e fintechs, cujo avanço depende de quórum e negociação no Senado, segundo relatos de Calheiros sobre a conversa com Wagner.

Renan declarou que recusou a proposta e classificou a tentativa de negociação como uma “farsa”, afirmando que não concorda com a suposta ligação entre a aprovação do PL da Dosimetria e a tramitação de projetos econômicos prioritários, o que ele interpretou como uma tentativa de trocar apoio político por avanço de pautas conjuntas.

Por sua vez, deputados e senadores envolvidos na tramitação negaram que tenha havido qualquer acordo para vincular o mérito do projeto às pautas econômicas, afirmando que eventuais negociações foram de procedimento de pauta e não de conteúdo ou contrapartidas, e que o governo não orientou apoio ao texto, mesmo com lideranças buscando formas de destravar a pauta no Congresso.

Mudanças aprovadas

O texto aprovado autoriza a redução da pena final aplicada a condenados por múltiplos enquadramentos penais decorrentes de um mesmo ato golpista, inclusive em processos já julgados ou ainda em tramitação relacionados à tentativa de golpe de Estado ocorrida entre 2022 e 2023. A mudança alcança condenações em que diferentes crimes foram reconhecidos a partir de um único contexto fático.

O projeto também estabelece um redutor específico para crimes cometidos em contexto de multidão, permitindo a redução de um terço a dois terços da pena para réus que não tenham financiado, organizado ou liderado os atos. A regra distingue participantes sem protagonismo daqueles identificados como articuladores centrais. “Quem não tiver financiado ou liderado as ações poderá receber um redutor”, explicou o relator.

Outra alteração relevante incide sobre a Lei de Execução Penal. Com o novo texto, condenados passam a poder progredir de regime após cumprir 16% da pena em regime fechado, independentemente de o crime envolver violência ou grave ameaça. Para reincidentes, o percentual exigido passa a ser de 20%, reduzindo os patamares atualmente previstos, que exigem 25% da pena para réus primários e 30% para reincidentes.

O projeto também amplia a possibilidade de remição de pena para pessoas em prisão domiciliar, permitindo que o trabalho seja considerado para abatimento do tempo de pena, possibilidade que antes estava restrita ao estudo.

Ao comentar os impactos práticos da proposta, o relator do projeto na Câmara dos Deputados, Paulinho da Força (SD-SP), apresentou uma estimativa sobre condenações já impostas. “A pena do ex-presidente poderia ser reduzida de sete anos para pouco mais de dois anos em regime fechado”, afirmou.

Entidades apontam retrocesso

A aprovação do projeto foi duramente criticada pelo Pacto pela Democracia, coalizão que reúne mais de 200 organizações da sociedade civil e acompanha desde 2023 os processos de responsabilização pelos ataques de 8 de janeiro. “A aprovação do PL nº 2.162/2023 representa uma derrota dura para a democracia brasileira”, avaliou a rede, ao afirmar que a proposta enfraquece a responsabilização por crimes contra o Estado Democrático de Direito.

As organizações também criticaram o processo legislativo que levou à aprovação do texto. “É inadmissível que interesses particulares e a barganha política se sobreponham a um debate de importância histórica”, afirmaram, ao apontar que o projeto beneficia um grupo responsável por graves crimes contra a democracia.

A gerente de incidência do Pacto, Natália Neris, destacou que a tramitação na CCJ ocorreu sem tempo adequado para análise técnica. “O relatório foi divulgado apenas às 9h da manhã, no mesmo horário de início da sessão”, afirmou. Em seguida, ela ressaltou o impacto do procedimento. “Isso impossibilitou uma análise adequada por parte dos parlamentares e da sociedade”, disse.

Natália Neris também chamou atenção para o contexto político da votação. “O projeto foi conduzido um dia após a conclusão do julgamento da trama golpista, em meio a negociações de bastidores e acordos pouco transparentes”, afirmou.

Durante a sessão da CCJ, o senador Fabiano Contarato (PT-SP) solicitou a realização de uma audiência pública para ampliar o debate sobre a proposta, pedido que foi rejeitado pela maioria dos senadores. Para o Pacto, a decisão evidenciou resistência à participação social. “A rejeição da audiência pública demonstra a falta de comprometimento com a defesa da democracia”, avaliou a coalizão.

Após a aprovação na Câmara dos Deputados, as organizações encaminharam uma carta ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, alertando para o que classificaram como grave restrição ao debate público. “Parlamentares e sociedade civil foram submetidos a uma votação às cegas”, registrou o documento. Em outro trecho, a carta afirma que a pacificação institucional não pode ocorrer sem responsabilização. “A verdadeira pacificação se constrói por meio da responsabilização plena, e não da anistia improvisada”, afirmaram.

Crimes e condenações relacionadas ao 8 de janeiro

As ações penais relacionadas aos ataques de 8 de janeiro resultaram em condenações baseadas em crimes previstos no Código Penal e na legislação de proteção ao Estado Democrático de Direito. Entre os principais enquadramentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) estão tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, em alguns casos na forma armada, além de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, em razão da destruição das sedes dos Três Poderes.

As decisões judiciais diferenciaram os níveis de participação, distinguindo executores diretos, financiadores, instigadores e integrantes de núcleos organizados. As penas aplicadas variaram conforme o número de crimes reconhecidos e o grau de envolvimento individual, resultando em condenações que, somadas, ultrapassaram duas décadas de reclusão em alguns casos julgados.

O entendimento expresso nas sentenças foi de que os atos não se limitaram a episódios isolados de vandalismo, mas integraram uma tentativa coordenada de ruptura institucional. A aplicação cumulativa de penas por crimes distintos, todos derivados do mesmo contexto fático, é justamente um dos pontos alterados pelo PL da Dosimetria, ao permitir a redução do total da pena.


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