Contexto

PL da Dosimetria pode atingir 5% da população carcerária do país

O PL que beneficia golpistas do 08 de janeiro de 2023 pode beneficiar cerca de 190 mil presos, o equivalente a 5% da população carcerária. O texto aprovado na Câmara não prevê anistia nem devolve a elegibilidade de Jair Bolsonaro, mantendo condenações e efeitos políticos

Manaus, 12 de dezembro de 2025 – A aprovação do Projeto de Lei que modifica o artigo 112 da Lei de Execuções Penais (LEP) deve alterar regras de progressão de regime e alcançar cerca de 190 mil presos no país — aproximadamente 5% da população carcerária brasileira — segundo estimativas do Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária (2024–2027).

O impacto foi detalhado pelo advogado criminalista Vinicios Cardozo, que explica como as mudanças reduzem percentuais de cumprimento de pena para presos primários e reincidentes. “A mudança não atinge a massa carcerária como um todo, mas alcança cerca de 5% da população prisional”, afirmou.

Mudança nos percentuais

O sistema atual exige que réus primários condenados por crimes sem violência cumpram 16% da pena para ter direito à progressão. Quando há violência ou grave ameaça, esse percentual sobe para 25%. “Mesmo o réu primário que tenha cometido crime com violência ou grave ameaça passa a cumprir apenas 1/6 da pena”, explicou. Ele ressaltou que esse percentual corresponde aos mesmos 16% exigidos hoje nos crimes sem violência.

Cardozo também destacou que os efeitos atingem reincidentes. “Hoje, qualquer reincidente, independentemente da natureza do crime, precisa cumprir 30% da pena para iniciar a progressão”, disse. O PL reduz esse percentual para 20% quando o delito envolve violência ou grave ameaça. O especialista resume que essas alterações mudam o cenário atual, que diferencia tipos de crime para definir o tempo de cumprimento antes da progressão.

Limitações e alcance da nova regra

O projeto exclui expressamente os crimes contra a vida, crimes contra o patrimônio e os crimes hediondos. “Todos os demais crimes que não estejam nesses títulos e não sejam hediondos poderão ter progressão mais rápida, mesmo quando cometidos com violência e mesmo em casos de reincidência”, afirmou. Ele destacou que essa é uma mudança de efeito restrito, mas ainda assim significativa dentro do sistema de execução penal.

O advogado ressaltou que o objetivo inicial do PL estava ligado aos acusados dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, mas seus efeitos vão além desse grupo. “É um efeito colateral relevante, que vai além dos presos do 8 de janeiro e chega a outras camadas do sistema”, comentou.

“A atualização do artigo 112 da Lei de Execução Penal, portanto, reformula percentuais e amplia possibilidades de progressão em situações específicas, criando um novo cenário jurídico para a execução penal no país”, concluiu.

Bolsonaro continua inelegível

Com relação à elegibilidade, o projeto de lei não altera em nada esse status para os envolvidos no 8 de janeiro, porque a elegibilidade, ou a inelegibilidade, decorre da Lei da Ficha Limpa. “[O PL da Dosimetria] não diz respeito ao quântum de pena, se a pena é grande ou se a pena é curta, mas diz respeito à condenação. Portanto, a elegibilidade desses envolvidos não fica alterada por esse projeto de lei”, explica o advogado criminalista Vinicios Cardozo, especialista em Ciências Criminais.

Segundo o professor Fábio Sá e Silva, da Universidade de Oklahoma, mesmo que a revisão legislativa altere penas criminais futuras, isso não indica reversão rápida do seu status eleitoral.“Mesmo que essas alterações possam beneficiar Bolsonaro, diminuindo o tempo de cumprimento de pena em regime fechado, nem por isso ele fica elegível no curtíssimo prazo”, explicou.

Ele acrescentou que, além da decisão do TSE, seguem válidas as regras da Lei da Ficha Limpa para definir o retorno de elegibilidade. “Ainda incide sobre ele a ficha limpa, e teríamos que calcular a pena final para chegar a uma data exata do retorno, mas não será no curtíssimo prazo”, afirmou Fábio.

A proposta também tem levantado questionamentos sobre sua natureza jurídica. A redução das penas após decisões já transitadas em julgado trouxe à tona o debate sobre uma eventual caracterização de anistia indireta. Para o pesquisador, embora o Congresso possa alterar penas, o modo como o texto está formulado abre espaço para contestação.

“O Congresso tem o direito de reduzir penas e, se a lei penal posterior for mais benéfica ao réu, ela deve retroagir; porém, aqui temos uma lei bastante casuísta”, comentou Fábio. Ele avalia que o caráter direcionado do texto pode gerar discussão no Supremo. “Essa tese de inconstitucionalidade por casuísmo poderia ser levada ao STF na tentativa de afastar essa possível lei do ordenamento jurídico”, disse.

PL da Dosimetria

A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que reduz penas de condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e pela tentativa de golpe de Estado, alcançando também casos como o do ex-presidente Jair Bolsonaro. O texto, aprovado por 291 votos a 148, segue agora para o Senado. O substitutivo aprovado foi apresentado pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) ao PL 2162/23, originalmente proposto por Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e outros parlamentares.

O relator modificou pontos centrais do projeto, retirando o trecho que previa anistia ampla aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro e aos acusados de quatro grupos julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Em vez disso, o substitutivo estabelece que os crimes de tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, quando praticados no mesmo contexto, terão aplicação da pena mais grave, e não a soma das penas.

A versão aprovada também altera regras de progressão de regime, igualando o percentual de cumprimento de pena para crimes com ou sem violência para réus primários, fixando-o em 16%. Para reincidentes, o texto reduz o percentual de cumprimento de 30% para 20% nos crimes com violência ou grave ameaça, com exceção dos crimes contra a vida, patrimônio e hediondos, que seguem regras específicas. O relator incluiu ainda a possibilidade de que estudo ou trabalho possa reduzir pena também no regime de prisão domiciliar, desde que comprovado e fiscalizável.


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