Engrenagens

Relatório aponta alta de despejos e remoções forçadas no Amazonas

O Amazonas está entre as unidades da federação com maior incidência de conflitos e vítimas de despejos e remoções forçadas. Entre 2020 e 2025, aproximadamente 6.113 famílias foram despejadas, enquanto 35.939 estavam sob ameaça de remoção

MANAUS (AM) – O Amazonas está entre as unidades da federação com maior incidência de conflitos e vítimas de despejos e remoções forçadas. O alerta faz parte do relatório “Cinco anos da Campanha Despejo Zero: a luta continua”, publicado em setembro de 2025 por ocasião dos 5 anos da Campanha Despejo Zero, movimento que reúne mais de 175 entidades e movimentos populares, a exemplo da ONG Habitat para a Humanidade Brasil.

No Amazonas, aproximadamente 6.113 famílias foram despejadas, enquanto 35.939 estavam sob ameaça de remoção, totalizando cerca de 42.052 pessoas impactadas diretamente. O segundo colocado da Região Norte é o Pará, com 1.430 famílias despejadas e 29.907 sob ameaça de remoção. Ambos ocupam a terceira e quarta colocação do relatório, respectivamente. Os dois estados que lideram as estatísticas de despejos e remoções forçadas são São Paulo e Pernambuco.

Logo a seguir pela Região Norte vem Rondônia, com 1.730 famílias despejadas e 15.752 sob ameaça de remoção. O Amapá, por sua vez, contabilizou 230 famílias despejadas e 10.207 sob ameaça de remoção. Roraima teve 606 famílias despejadas e 226 sob ameaça de remoção. Por último vem o Acre, com 489 famílias despejadas e 209 sob ameaça de remoção.

População negra é a mais afetada

Foram contabilizados 3.078 casos de conflitos por terra e moradia entre 2020 e agosto de 2025, atingindo 2.098.948 pessoas em todo o Brasil. O relatório detalha que os estados amazônicos figuram entre os mais críticos, com menções específicas a episódios de violência, criação de comissões de soluções fundiárias, articulações entre tribunais e órgãos de justiça, além de medidas de resistência promovidas por movimentos sociais.

O documento mostra que a população afetada é majoritariamente composta por pessoas negras (66,3%) e mulheres (62,6%). Entre os atingidos estão 415.592 crianças de até 14 anos e 327.436 idosos acima de 60 anos. As principais justificativas utilizadas para as remoções são reintegrações de posse, obras públicas e despejos em áreas de risco ou de proteção ambiental.

Violência no interior

A violência no interior do Amazonas também é relatada. Em janeiro de 2025, dois trabalhadores rurais foram assassinados em conflitos fundiários: Francisco Nascimento, em Boca do Acre, e José Jacó, no acampamento Marielle Franco, em Lábrea. Os episódios foram ligados à atuação de jagunços em terras da União, alvo de investigações e operações da Polícia Federal.

O Pará aparece com destaque pela atuação de suas comissões de soluções fundiárias. A estrutura do Tribunal de Justiça havia recebido 131 processos até novembro de 2024. Já o TRF1 atuou em 720 conflitos até março de 2025, incluindo mediações em Breves, no arquipélago do Marajó, onde acordos possibilitaram soluções habitacionais para famílias removidas.

Além de Amazonas e Pará, outros estados da Amazônia Legal também figuram nos gráficos de ameaças e despejos, como Rondônia, Acre, Roraima, Amapá, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Embora não recebam a mesma profundidade de análise, são apontados como parte das áreas mais impactadas pela crise fundiária e pelo avanço das remoções.

Impactos sociais profundos

Entre os impactos listados estão a perda de moradias e bens, a interrupção de vínculos com serviços públicos, a desestruturação de redes comunitárias e os efeitos psicológicos sobre as famílias, especialmente as mulheres, que sofrem ainda mais com a desagregação das redes de apoio. Há relatos de tentativas de suicídio de lideranças e de traumas entre crianças, o que evidencia a gravidade da situação.

O relatório conclui que entraves institucionais — como falta de orçamento, descontinuidade administrativa e resistência de tribunais em sistematizar dados e abrir espaço para a participação popular — dificultam respostas mais consistentes, apesar dos avanços representados pela criação de comissões e acordos na região amazônica.

Tentativas de resolução

O relatório aponta ainda as medidas criada para tentar resolver esses conflitos. Uma das principais foi a criação da Comissão de Solução Fundiária do Tribunal de Justiça (TJAM), em 2023, após pressão de entidades como o Fórum Amazonense de Reforma Urbana e a Defensoria Pública. Sua primeira atuação ocorreu no caso da Marina do Davi, que ameaçava mais de 250 famílias e teve a remoção suspensa.

A Defensoria Pública da União e a DPE-AM também desempenharam papel central em mediações que envolveram mais de 10 mil famílias em Manaus, como no prédio Alcir Matos, vinculado ao programa Minha Casa Minha Vida Entidades. O relatório destaca ainda o veto do governador Wilson Lima a um projeto de lei estadual da chamada pauta Invasão Zero, decisão atribuída à pressão de organizações locais.

O relatório menciona ainda o Acordo de Cooperação Técnica nº 16/2025, firmado entre o Conselho Nacional de Justiça, o Ministério da Justiça e a Universidade Federal do Pará, que tem como objetivo avaliar a aplicação da Resolução 510/2023 na Amazônia Legal.

As visitas técnicas realizadas pelas comissões são descritas como experiências que permitem compreender melhor os territórios e buscar alternativas às remoções, mas o documento também aponta problemas, como ausência de equipes multidisciplinares, falhas na articulação com políticas públicas e baixa participação social nos processos.

Dados nacionais

No Brasil existem, hoje, atualmente 2.098.948 pessoas ameaçadas de remoção à força de suas casas e 3.078 casos de conflitos por terra e moradia. Desse total, quase 1,4 milhão são pessoas negras. Além de cor, as ameaças de despejo e remoção forçada no país também têm gênero: 1.313.941 são vítimas mulheres.

O último levantamento, divulgado em agosto de 2024, havia apontado cerca de 1,5 milhões de pessoas afetadas por despejos e remoções forçadas no Brasil, no período de 2020 a 2024. Isso se soma a uma crise habitacional sem precedentes: mais de 6 milhões de domicílios em situação de déficit habitacional, 3,5 milhões de pessoas desabrigadas e desalojadas por desastres nos últimos anos e milhares de pessoas em situação de rua.


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