Seis dos dez estados brasileiros com maiores índices de violência sexual contra crianças e adolescentes estão localizados na Amazônia Legal, segundo o estudo “Violência contra crianças e adolescentes na Amazônia”, divulgado nesta quinta-feira (14/08/2025) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Entre 2021 e 2023, a região registrou mais de 31 mil casos de estupro contra vítimas de até 19 anos e quase 3 mil mortes violentas intencionais na mesma faixa etária.
O levantamento, baseado em dados das Secretarias de Segurança Pública dos estados, revela que a Amazônia Legal, que engloba mais de 700 municípios de nove estados do bioma, apresenta taxas de violência sexual superiores à média nacional. Em 2023, foram 141,3 casos registrados a cada 100 mil crianças e adolescentes, número 21,4% acima da média brasileira (116,4). Entre 2021 e 2022, o crescimento nas notificações foi de 26,4% na região, contra 12,5% no restante do país.
Os seis estados com maiores taxas na Amazônia Legal são Rondônia (234,2 casos por 100 mil), Roraima (228,7), Mato Grosso (188,0), Pará (174,8), Tocantins (174,2) e Acre (163,7). A incidência também é maior em municípios até 150 km das fronteiras brasileiras (166,5) do que nas cidades não-fronteiriças (136,8).
“As diferenças em comparação ao Brasil podem representar tanto um maior número de vítimas na Amazônia quanto uma maior porcentagem de identificação de casos na região. De qualquer maneira, as crianças e os adolescentes da Amazônia Legal estão extremamente expostos a diferentes violências. As desigualdades étnico-raciais e a vulnerabilidade social da região, que tem conflitos territoriais, uma larga área de fronteira e grande incidência de crimes ambientais, geram um cenário complexo para a garantia dos direitos da infância, que precisa ser compreendido e enfrentado para assegurar a proteção de cada criança e adolescente”, afirma Nayana Lorena da Silva, oficial de Proteção contra a Violência do UNICEF no Brasil.
O estudo também analisou os registros de homicídio doloso, feminicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP), reunidos como Mortes Violentas Intencionais (MVI). Apesar de queda no número total de mortes — de 1.076 em 2021 para 911 em 2023 —, a vulnerabilidade permanece alta.
“O estudo é fruto de um esforço de análise territorializada dos microdados de registros administrativos de maus-tratos, estupros e Mortes Violentas Intencionais (MVI) de crianças e adolescentes na Amazônia, com foco especial nas diferenças regionais entre as cidades que compõem a Amazônia Legal e os demais municípios do país. Os achados reforçam a importância de considerar as especificidades da região: as taxas de MVI nos municípios urbanos amazônicos, por exemplo, são 31,9% maiores do que nos centros urbanos do restante do país”, destaca Cauê Martins, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o relatório, adolescentes de 15 a 19 anos que vivem em centros urbanos da Amazônia Legal estão 27% mais vulneráveis à violência letal que outros adolescentes brasileiros.
Desigualdades raciais e violência contra povos indígenas
Entre as vítimas de estupro na Amazônia Legal entre 2021 e 2023, 81% eram pretos e pardos e 2,6% indígenas. A taxa entre negros (45,8 casos por 100 mil) é superior à registrada entre brancos (32,7). No restante do Brasil, a maior incidência ocorre entre brancos.
As mortes violentas também afetam mais as crianças negras: elas estão três vezes mais expostas a esse tipo de violência que as brancas, inclusive nas mortes por intervenção policial. Nesse caso, 91,8% das vítimas eram negras, contra 7,9% brancas e 0,3% indígenas. Em 2023, a taxa de crianças e adolescentes negros mortos por ações policiais (1,5) foi três vezes maior que entre brancos (0,5). Entre crianças e adolescentes indígenas, foram registradas 94 mortes violentas no triênio. Os casos de violência sexual contra indígenas cresceram 151% no período, mais que o dobro do aumento médio da região.
Maus-tratos e perfil das vítimas
A Amazônia Legal registrou 10.125 casos de maus-tratos entre 2021 e 2023. Em 2023, a taxa foi ligeiramente maior que a média nacional (52,9 por 100 mil contra 52,0). A maioria dos casos ocorreu dentro de casa (67,6%), foi cometida por familiares (94,7%) e teve como vítimas principalmente meninas (52,1%), negras (78,9%) e na faixa etária de 5 a 9 anos (35,2%).
Recomendações
O UNICEF e o FBSP reforçam a necessidade de enfrentar o problema de forma integrada. As recomendações incluem: considerar as dinâmicas próprias do contexto amazônico; melhorar registros policiais e de saúde; investir no monitoramento e geração de evidências; capacitar profissionais, especialmente no atendimento a indígenas; fortalecer o controle do uso da força policial; enfrentar o racismo estrutural e normas restritivas de gênero; garantir atenção conforme a Lei 13.431/2017; e reforçar a proteção ambiental e o combate a atividades ilícitas na região.
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