Um estudo elaborado por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e de instituições nacionais e internacionais indica que boa parte da Amazônia ainda pode ser recuperada, desde que sejam adotadas medidas urgentes e coordenadas de conservação. As conclusões estão no artigo “Pontos de não retorno das florestas amazônicas: para além dos mitos e em direção a soluções”, publicado na revista científica Annual Review of Environment and Resources.
O documento contesta a ideia de um único tipping point — ponto de não retorno — para todo o sistema amazônico. Em vez disso, aponta a existência de múltiplos riscos de colapsos ecológicos, distintos para diferentes regiões da floresta, resultantes da combinação de desmatamento, mudanças climáticas, perda de fauna e incêndios florestais. Segundo os autores, muitos desses riscos podem ser evitados com ações ambiciosas e imediatas.
Embora reconheçam as transformações negativas já em curso, os pesquisadores destacam que a ausência de evidências de um colapso florestal iminente causado exclusivamente pelo clima — sem a presença de incêndios — representa uma “janela crucial de oportunidade” para a adoção de políticas sustentáveis. O estudo reforça que o destino da Amazônia não está predeterminado e que as decisões tomadas hoje são determinantes.
Comunicação equilibrada e riscos do fatalismo
Para Paulo Brando, pesquisador do IPAM e líder do estudo, a hipótese de um ponto de não retorno é relevante para políticas públicas e percepção social, mas seu exagero pode gerar sentimento de fatalismo, reduzindo respostas proativas. “Se o conceito pretende orientar políticas e ações, precisa destacar riscos, mas também deixar claros os caminhos para intervenção”, afirma o artigo.
O documento também introduz o conceito de “efeito martelo”, definido como a pressão direta e intensa sobre ecossistemas, capaz de provocar perda de biodiversidade e serviços ambientais mesmo sem um colapso climático evidente. Brando explica que esse fenômeno, impulsionado por fragmentação florestal, defaunação, fogo e exploração madeireira, já ocorre em quase toda a Amazônia. Apesar disso, ele afirma que as florestas sob essa pressão ainda apresentam alta resiliência e podem sobreviver se essas pressões forem eliminadas.
Resiliência e estratégias
O estudo aponta que a resiliência amazônica, embora em declínio em algumas áreas, permanece significativa. Florestas inseridas em paisagens com alta cobertura vegetal e diversidade de espécies tendem a recuperar rapidamente biomassa e riqueza arbórea, sobretudo quando há apoio das comunidades locais.
Para Joice Ferreira, bióloga e pesquisadora da Embrapa, a sociedade e a comunidade científica devem focar nas ações capazes de evitar mudanças climáticas abruptas ou graduais, mais do que na contagem regressiva para um ponto de não retorno. Ela reforça que a informação qualificada sobre os riscos ambientais pode aumentar o engajamento social e econômico na defesa da floresta.
Entre as medidas imediatas propostas pelo artigo estão a redução do desmatamento, apontada como “primeira linha de defesa”, restauração de paisagens, manejo de incêndios, fortalecimento de políticas públicas e cooperação com povos indígenas e comunidades tradicionais. Ferreira observa que essas ações são interligadas, destacando que a conservação e a restauração de paisagens reduzem naturalmente a incidência de fogo. Ela defende também o fortalecimento da governança e da legislação de proteção para viabilizar uma “economia que mantém a floresta de pé”.
Compromisso político duradouro
Para Liana Anderson, pesquisadora do Cemaden e coautora do estudo, é possível “remover” a pressão humana sobre a Amazônia, abrindo caminho para desenvolvimento sustentável e melhora na qualidade de vida tanto para a floresta quanto para populações locais e para setores econômicos dependentes de sua integridade.
Os autores concluem que, independentemente de as mudanças ocorrerem de forma gradual ou abrupta, as soluções já são conhecidas: estabilizar o clima global, fortalecer a governança, reduzir o aquecimento local por meio do controle do desmatamento e da restauração, e promover o manejo do fogo. A grande barreira, alertam, é a implementação em larga escala e a manutenção dessas ações, o que requer compromisso político duradouro, transformação da economia regional e liderança das comunidades locais.
Adaptação do texto da jornalista Anna Júlia Lopes, do IPAM
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