Opinião

Opinião: É preciso combater a pobreza no centro de Manaus, não os pobres

Revitalizar o centro de Manaus é possível, necessário e urgente, mas desde que isso seja feito sem truculência e ilegalidades. O poder público precisa entender: ninguém se submete a condições precárias porque deseja, mas porque está vulnerável

Causaram polêmica ao longo desta semana as imagens fortes de truculência das ações da Prefeitura durante a operação “Mutirão no Bairro”. Nesta quinta-feira (07/08/2025), um depósito usado por vendedores ambulantes para guardar carrinhos de trabalho, foi invadido pela Guarda Municipal na Rua Bernardo Ramos, Centro da capital. A ação resultou na apreensão das mercadorias dos trabalhadores autônomos e provocou confusão no local.

A prefeitura justificou a ação afirmando que o local armazenava irregularmente equipamentos, carrinhos de comida e manejava produtos alimentícios fora da validade, sob condições totalmente insalubres. Para a advogada criminalista Jacqueline Valles, mestre em Direito Penal, a ação da prefeitura não poderia ter acontecido daquela maneira.

“O [Supremo Tribunal Federal] STF já está muito claro: não pode haver o que chamamos fish expedition. O que é o fish expedition? É a ‘pescada’, você fica pescando e vai entrando nos lugares até encontrar algo ilícito”, explicou. “Nem guarda municipal, nem polícia militar, nem polícia civil pode fazer isso, nem guarda rodoviário, muito menos polícia federal. Então, ao meu ver, essa atribuição, não, esse ato do guarda municipal foi ilegal”, afirmou Valles.

Uma outra reclamação que tem se tornado frequente é possível proliferação de uma nova “Cracolândia” (área onde se reúnem usuários de crack) no coração de seu centro histórico de Manaus. A região do entorno da Praça dos Remédios, tem sido apontada como uma área “frequentada, “da dependência química, da fome e do desespero”.

Em contraponto, surgiram opiniões e análises criticando a ação da prefeitura, classificando a intervenção no centro como “higienização social”. Também não é por aí. O centro de Manaus é, há muitas décadas, castigado pelo abandono e a precariedade se volta contra o cidadão. Além disso, também é inegável que as condições sanitárias de muitos vendedores expõe os clientes ao risco de contaminação e isso não pode ser permitido. A raiz do problema está mais embaixo.

Reflexo

Imaginar que as pessoas em situação de miséria utilizam entorpecentes ou se submetem a ambientes insalubres sem qualquer higiene por vontade própria, preguiça ou má índole é um pensamento preconceituoso e eugenista. Se o poder público quiser ter qualquer chance de êxito precisa entender a premissa básica aqui: O centro da cidade reflete a precariedade do restante dela. Simplesmente abordar de forma truculenta, retirá-las a força do lugar e ignorar a fonte da miséria não dará certo.

Manaus é a capital de um dos estados mais pobres do país. Quase metade da população vive em situação de pobreza, sendo que meio milhão vive na extrema pobreza e mais de 52% dos amazonenses vivem com até meio salário mínimo. Segundo o IBGE, apenas 9,1% da população do estado possui rendimentos per capita superiores a R$2.000,00. Em 2023, cerca de 530 mil domicílios no Amazonas vivenciaram algum grau de insegurança alimentar. Entre esses, 113 mil enfrentaram uma situação gravíssima.

Revitalizar o centro de Manaus é possível, necessário e urgente, mas desde que se entenda que o problema não se origina ali. É fundamental entender também a resistência das pessoas que estão ali em situação de vulnerabilidade social, seja pelo vício em entorpecentes, seja pela necessidade de trabalhar lá ainda que em condições precárias. Exatamente por isso o confronto e a violência é a fórmula perfeita para a intervenção dar errado.


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