Contexto

Salvo-conduto e asilo político: uma possível rota de fuga para Bolsonaro

Mesmo com tornozeleira e passaporte retido, Bolsonaro pode fugir do Brasil. Segundo jurista, os EUA podem conceder asilo político e barrar a extradição com base em normas do direito internacional

A Polícia Federal cumpriu nesta sexta-feira (18/07/2025) dois mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A operação é parte de uma série de investigações relacionadas à tentativa de ruptura institucional que culminou nos atos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

Como resultado da decisão judicial, Bolsonaro foi conduzido à Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) para o uso de tornozeleira eletrônica. A medida é acompanhada por restrições adicionais: o ex-presidente está proibido de utilizar redes sociais, de manter contato com outros réus ou com embaixadores e diplomatas estrangeiros, além de precisar permanecer em casa entre 19h e 6h e não se ausentar da comarca do Distrito Federal. Seu passaporte já havia sido apreendido em fevereiro deste ano.

As acusações contra o ex-presidente envolvem, entre outras coisas, participação na redação da chamada “minuta do golpe”, um documento que previa a decretação de estado de sítio no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O texto foi encontrado em endereços ligados ao ex-ministro da Justiça Anderson Torres, ao Partido Liberal (PL) e no celular do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.

Também pesam contra Bolsonaro denúncias de conhecimento prévio do plano “Punhal Verde Amarelo”, que segundo a investigação, envolvia a articulação de assassinatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Adicionalmente, há indícios de que o ex-presidente orientou o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, a produzir um relatório insinuando fraudes nas urnas eletrônicas — parte da estratégia de deslegitimação do sistema eleitoral.

Outro núcleo de investigações aponta que Bolsonaro se apropriou indevidamente de joias recebidas como presentes de autoridades estrangeiras durante seu mandato. Algumas dessas peças, que deveriam integrar o acervo da Presidência da República, teriam sido vendidas. A conduta, segundo o STF, configura crime de peculato.

Mais recentemente, Bolsonaro e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, foram acusados de articular junto ao governo dos Estados Unidos medidas punitivas contra o Brasil. A intenção seria pressionar o STF a recuar nas investigações. A articulação teria contribuído para a adoção de barreiras comerciais impostas ao Brasil pelo então presidente Donald Trump.

Direito internacional pode “blindar” Bolsonaro

Em meio à escalada das medidas judiciais contra o ex-presidente, a advogada criminalista Jacqueline Valles, mestre em Direito Penal, alerta para a existência de dispositivos jurídicos internacionais que podem limitar severamente a eficácia das ações da Justiça brasileira.

Segundo a jurista, os Estados Unidos dispõem de mecanismos diplomáticos robustos que podem tornar inócuas medidas como a apreensão do passaporte e a proibição de saída do país. “Caso os EUA deem asilo político e Bolsonaro entre em território americano, o Brasil não poderá fazer nada porque, mesmo que peça a extradição, ela não será aceita”, afirma Valles.

Ela explica que esse tipo de proteção se baseia no princípio da não extradição por crimes políticos, consagrado no Direito Internacional. Esse princípio estabelece que um país pode se recusar a extraditar uma pessoa se entender que ela é alvo de perseguição política em sua nação de origem.

Um cenário ainda mais delicado, segundo Valles, envolve a possibilidade de Bolsonaro buscar refúgio na embaixada dos Estados Unidos no Brasil. “Se Bolsonaro entrar lá, os EUA podem pedir um salvo-conduto para tirá-lo do Brasil, mesmo que legalmente ele esteja impedido de deixar o país e com o passaporte apreendido”, detalha.

Esse salvo-conduto é um instrumento diplomático previsto em convenções internacionais. Ele permite a saída segura de um indivíduo protegido por uma missão diplomática, mesmo contra determinações judiciais locais. “É um instrumento reconhecido pelo direito internacional e que, uma vez concedido, cria obrigações diplomáticas para o país receptor”, afirma a advogada.

De acordo com Valles, o Brasil enfrentaria um dilema jurídico: “respeitar as normas diplomáticas internacionais ou fazer valer suas decisões judiciais internas”. Em conflitos desse tipo, diz ela, frequentemente prevalecem os instrumentos diplomáticos, sobretudo quando envolvem potências globais como os Estados Unidos.

Trump e o discurso de perseguição política

A especialista chama atenção para a relevância das declarações de Donald Trump, que descreveu Bolsonaro como vítima de uma “caça às bruxas”. Para Jacqueline Valles, essas falas funcionam como alicerces jurídicos que poderiam fundamentar um pedido de asilo. “Essas declarações criam o substrato jurídico necessário para fundamentar um eventual pedido de asilo político”, diz.

Segundo a jurista, o conceito de perseguição política é subjetivo e permite ampla interpretação por parte do país que concede a proteção. Uma vez concedido o asilo, o Brasil teria poucos recursos jurídicos eficazes para reverter a decisão americana, afirma.

Precedentes internacionais

A advogada menciona casos emblemáticos em que líderes políticos receberam proteção internacional, mesmo com ordens judiciais contrárias em seus países de origem. Entre os exemplos citados estão Julian Assange, Evo Morales e outros líderes políticos que, em contextos distintos, se valeram do direito internacional para evitar extradições ou prisões. “O direito internacional de asilo é robusto e oferece proteção real contra perseguição, mesmo quando o país de origem contesta a caracterização”, conclui Jacqueline Valles.


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