É exaustivo voltar a esse assunto, sabe?
Só quem esteve em Manaus naquele janeiro de 2021 sabe o inferno que foi. O barulho das sirenes, o medo de adoecer ou levar o vírus para entes queridos e passar pelo mesmo horror e desespero de conhecidos e amigos que passavam o dia implorando por balas de oxigênio nas redes sociais para tentar salvar seus familiares. E as dezenas de vezes em que esse esforço era em vão e os incontáveis posts de luto pela morte. Tudo isso temperado pelo cinismo dos representantes do poder público.
Cansei de fazer novas versões para este texto. Mostrando o quão desesperadores foram aqueles dias, o quão traumático foi e o pior: pra ver tudo continuar exatamente como sempre esteve. Sabendo que, tivesse acontecido essa tragédia em qualquer outra parte do mundo, governos teriam sido derrubados, incêndios e depredações teriam acontecido. Aqui, o silêncio do desdém. A parte mais dolorosa é saber que, se não forem alguns abnegados como eu puxando o assunto, ele nem seria lembrado.
Então é por isso que criei esse compromisso: lembrar. Repetir a mesma história ano após ano. Enxugar gelo ciente disso. Espero conseguir escrever o livro que tenho sonhado e preparado com todo o material – muita coisa inédita, por sinal – sobre esse período em Manaus. Com a esperança de ser pelo menos uma vela na tempestade do tempo. Fazendo de tudo pra que esse horror que se abateu sobre a minha cidade não se apague, apesar dos esforços pra isso.
Em janeiro de 2021, Manaus enfrentou uma crise devastadora: a falta de oxigênio nos hospitais resultou na morte de dezenas de pacientes por asfixia mecânica. Apuração do Vocativo em junho daquele ano mostrou que a empresa White Martins, fornecedora de oxigênio, alertou o governo do Amazonas duas vezes sobre a crescente demanda, mas medidas eficazes não foram adotadas a tempo.
Durante a crise, o então secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, afirmou ter solicitado apoio ao Ministério da Saúde, sob a gestão de Eduardo Pazuello, mas não obteve resposta. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia destacou Manaus em seu relatório final, apontando falhas graves na gestão da crise sanitária.
Apesar das evidências e das investigações, a responsabilização dos envolvidos avançou lentamente. Em dezembro de 2023, a Justiça Federal condenou a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus a pagarem R$ 1,4 milhão à família de uma vítima que faleceu no Hospital Platão Araújo durante o colapso.
Apesar de tudo isso, muitos dos gestores públicos da época não sofreram consequências políticas significativas. O governador Wilson Lima foi reeleito em 2022, e outros responsáveis mantiveram ou conquistaram novos cargos públicos. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), embora não tenha sido reeleito, conquistou nada menos do que 65% dos votos na capital do Amazonas na última eleição.
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