Eleições 2024 Opinião

Eleição para prefeito de Manaus virou uma autêntica “Escolha de Sofia”

A definição do prefeito da maior cidade da Amazônia acontecerá em meio à uma crise climática sem precedentes, com a capital vivenciado alguns dos piores indicadores sociais do país e tendo a certeza de que terá um gestor despreparado para esses desafios nos próximos quatro anos

O embate entre David Almeida e Capitão Alberto Neto no segundo turno das Eleições Municipais de Manaus em 2024 pode ser considerada a campanha de mais baixo nível da história da capital. E apesar disso, trata-se de uma das eleições mais importantes da nossa história.

Em quase 20 dias de campanha, sobram trocas de acusações entre o atual prefeito e o deputado federal do Amazonas e faltaram propostas minimamente viáveis para resolver os muitos problemas da cidade. Mobilidade urbana? Arborização? Plano para acolhimento da população de rua? Cobertura de creches? Nada. A campanha possui nível tão baixo que o resultado provavelmente será decidido pela rejeição.

É muito comum observar comentários nas redes sociais justificando votos em um candidato por críticas ao outro ou algum apoiador. O voto em David Almeida, por exemplo, parece ser fortalecido pelos críticos ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ainda que o atual prefeito seja declaradamente bolsonarista. Alberto Neto, por sua vez, carrega contra si o voto contrário à Zona Franca de Manaus na votação da Reforma Tributária e o fato de ser um dos parlamentares federais que mais atacou o meio ambiente na atual legislatura da Câmara.

A parte mais trágica é que, se por algum passe de mágica, ambos pudessem trocar de lugar na segunda-feira seguinte ao pleito, o mais provável é que cada um manifestasse as mesmas características que o outro manifesta atualmente. Alberto Neto foi o deputado que mais atacou o meio ambiente? David Almeida desmatou para construir a sede da Secretaria de Meio Ambiente. David tem contra si escândalos se corrupção? A vice de Alberto Neto está sendo acusada de Caixa 2.

O fato mais dramático a respeito dessa eleição é o fato dela ser disputada por dois candidatos de baixo nível afasta ainda mais o interesse do eleitor, que vê a cada eleição seu voto não se traduzir em melhorias. O problema é que o ocupante da cadeira da prefeitura poderá definir o cenário político local em 2026 e isso é extremamente sensível.

Com a consolidação da extrema direita na política brasileira mesmo com a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o avanço desse grupo político representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos em toda parte. Exatamente por isso precisa ser levada em conta na hora do voto. Pra nosso azar, os dois candidatos que estão no segundo turno são sintomas desse problema.

E além de levar em conta a situação política da cidade, é preciso pensar além. Em 2026, o Brasil terá novamente eleições gerais sob forte tensão. Uma capital tomada pela extrema direita pode representar em um segundo momento o governo do Estado nas mesmas circunstâncias, com todo aparato da segurança pública incluso e toda uma floresta para ser destruída no caminho. De quebra, a eleição de dois senadores da mesma vertente política pode ter resultados imprevisíveis para o país nos oito anos seguintes.

Se por um lado é certo de que os atuais candidatos a prefeito de Manaus individualmente se equivalem, o contexto de cada um não exatamente. Um político apoiado diretamente por Bolsonaro, da mesma legenda e com uma devoção quase apostólica a ele a ponto de fazê-lo votar contra os interesses dos seus próprios conterrâneos parece representar uma ameaça maior. Por outro lado, o comportamento subserviente de David Almeida ao longo de sua gestão ao mesmo Bolsonaro nos faz acreditar que, estivesse ele na Câmara, faria a mesma coisa.

A definição do prefeito da maior cidade da Amazônia acontecerá em meio à uma crise climática sem precedentes, com a capital vivenciado alguns dos piores indicadores sociais do país e tendo a certeza de que terá um gestor despreparado para esses desafios nos próximos quatro anos. A triste constatação é que a eleição de Manaus virou uma autêntica escolha de Sofia*.

*”A escolha de Sofia” é uma expressão que invoca a imposição de se tomar uma decisão difícil sob pressão e enorme sacrifício pessoal, como a vista no filme homônimo de 1982 que valeu a Meryl Streep o Oscar de melhor atriz. A trama dirigida por Alan J. Pakula, a partir do romance de William Styron, conta a história de Sofia, uma polonesa que, sob acusação de contrabando, é presa com seus dois filhos pequenos, um menino e uma menina, no campo de concentração de Auschwitz durante a II Guerra. Um sádico oficial nazista dá a ela a opção de salvar apenas uma das crianças da execução, ou ambas morrerão, obrigando-a à terrível decisão.


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