Em meio a uma crise climática sem precedentes, o Governo Federal não só não decretou estado de emergência sobre queimadas como decidiu assinar a ordem de serviço para as obras de pavimentação do trecho C da BR-319, que liga o Amazonas a Rondônia. O problema é que, segundo estudos e especialistas, a obra é justamente o grande foco de destruição da região amazônica nos últimos anos e a sua repavimentação deve agravar ainda mais o problema.
O anúncio foi feito durante visita ao Amazonas nesta terça-feira (10/09/2024). O presidente Lula assinou a ordem de serviço para início dos trabalhos nos primeiros 20 quilômetros deste segmento e nos próximos dias será lançado edital para licitar as obras de mais 32 quilômetros, totalizando 52 quilômetros de asfaltamento.
A BR-319/AM/RO liga Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia. A ordem assinada hoje permite a pavimentação do segmento que vai do km 198 ao km 250 e possui licença ambiental. Vale ressaltar, no entanto, que a licença dita pelo governo possui uma série de erros, segundo ambientalistas ouvidos pelo Vocativo em junho deste ano. Além disso, o Ministério Público Federal e Povos Indígenas não foram consultados a respeito.
Além disso, a decisão liminar da 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas anulou, em julho deste ano, a Licença Prévia (LP n° 672/2022) para a reconstrução e asfaltamento do trecho do meio da BR-319 (Manaus-Porto Velho). A juíza Maria Elisa Andrade deferiu a ação civil pública ajuizada pelo Observatório do Clima, que pedia a anulação da licença concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no último ano do governo Bolsonaro.
BR-319 agrava crise climática
De agosto a novembro de 2023, durante a chamada “temporada do fogo” no Amazonas, o estado teve mais de 17 mil focos de calor. Desses, aproximadamente 40% se concentraram em 12 municípios da área de influência da BR-319, que registraram mais de 7 mil focos de calor em seus territórios. A temporada, marcada pela fumaça que encobriu os municípios da Região Metropolitana de Manaus, chamou a atenção para a situação do desmatamento e queimadas no estado, especialmente os associados à BR-319.
O grande problema envolvendo a BR-319 é que ela passa por um dos blocos mais preservados da floresta amazônica, abrindo uma vasta área de floresta a oeste do Rio Purus que é paralela à rodovia. Ela também permitiria a migração de desmatadores do “arco do desmatamento” no sul da Amazônia para Roraima, que faz fronteira com a Venezuela no norte da Amazônia, bem como para outras áreas já conectadas a Manaus por estradas. No total, cerca de metade do que resta da floresta amazônica brasileira seria impactada, não apenas a beira da estrada da rodovia federal em si.
“As ações de Lula têm impacto substancial no clima global e do Brasil. É importante destacar que em um estudo desse ano na Nature, nós apontamos que a pavimentação da rodovia BR-319 é inviável e uma ameaça à saúde pública, pois abre um dos maiores reservatórios zoonóticos do planeta, podendo desencadear não uma, mas uma sequência de pandemias globais”, lamenta o biólogo e pesquisador, doutor Lucas Ferrante, autor de um artigo publicado no periódico Lancet, sobre as questões de saúde pública envolvendo a rodovia, algo que já foi tema de matéria no Vocativo em outubro de 2023.
“Essas ações são impensadas, inconsequentes e fascistas, porque violam o direito de 18 mil indígenas que são contra a rodovia e desejam ser consultados como tange à Convenção 169 da OIT. Falar que este é um governo democrático pressupõe que todos os povos afetados seriam ouvidos, o que não vem acontecendo. É extremamente necessário que o Ministério Público barre essas ações”, pede o pesquisador.
Ferrante lembra ainda que a BR-319 está inserida na região da AMACRO, que se tornou a maior emissora de gases causadores do efeito estufa do país nos últimos anos. “Nós vemos uma quantidade enorme de aerossóis sendo emitidos e monóxido de carbono em decorrência das queimadas. Além disso, um estudo que eu coordenei em parceria com o Centro Operacional de Controle e Proteção da Amazônia (Censipam) do Ministério da Defesa, mostra que, se pavimentada, jamais existirá contingente suficiente para fiscalizar essa área, que hoje está dominada pelo crime organizado”, alerta Ferrante.
Crise severa
O Amazonas vive uma severa crise hídrica. Na última segunda-feira (09/09/2024) o nível do Rio Negro, por exemplo, atingiu 17,73 metros conforme dados da Defesa Civil do estado, tendo baixado 25 centímetros em 24 horas em Manaus, e dois metros em apenas nove dias. Outro importante rio, o Solimões atingiu seu menor nível de menos 135 centímetros, na terça-feira (03/09/2024), em Tabatinga.
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