Contexto

Marco Temporal: Povos Indígenas deixam Câmara de Conciliação do STF

O anúncio foi feito durante a segunda audiência da câmara, realizada nesta quarta-feira, 28 de agosto, em Brasília (DF). A Apib também reivindica o encerramento da Câmara de Conciliação

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) anunciou nesta quarta-feira (28/08/2024) sua saída da Câmara de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), que discute a Lei do Genocídio Indígena (Lei 14.701/2023). Em conjunto com suas sete organizações regionais de base, a Apib afirma que os povos indígenas não irão negociar o marco temporal e outras violações contra os direitos indígenas, já garantidos na Constituição Federal de 1988 e na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho.

O anúncio foi feito durante a segunda audiência da câmara, realizada nesta quarta-feira, 28 de agosto, em Brasília (DF). A Apib também reivindica o encerramento da Câmara de Conciliação. A Lei do Genocídio Indígena transformou em lei o marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas, como a contestação de demarcações, além de permitir que invasões de Terras Indígenas possam ser consideradas de boa-fé. O texto foi promulgado em dezembro de 2023, mesmo após o STF declarar a tese do marco temporal inconstitucional em setembro.

Para anunciar a saída, a liderança Mariazinha Baré fez a leitura de um manifesto da Articulação. Pouco antes, o juiz instrutor Diego Viegas afirmou que caso a Apib decidisse sair da comissão outros indígenas seriam convidados a integrar a câmara. “Isso é um absurdo! A Apib representa os povos originários tanto para o movimento indígena quanto para o STF, que já reconheceu a legitimidade de representação da Articulação. A decisão de se retirar da comissão foi tomada após diversas consultas com organizações e lideranças das nossas sete regiões de base do movimento”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.

Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, complementa: “Nós tentamos a todo momento e estávamos abertos ao diálogo. A Apib, por meio das petições na Corte, solicitou diversas vezes que nos fosse dada igualdade de condições de participação na câmara. Os povos indígenas enfrentam violações contra seus territórios e direitos desde que este país é conhecido como Brasil. Confiamos no colegiado do Supremo e nos ministros que já se posicionaram contra, mas qualquer medida conciliatória desta câmara, sem a participação dos povos indígenas, será ilegítima!”, disse o advogado indígena.

A criação da Câmara de Conciliação foi determinada pelo ministro Gilmar Mendes e, se não for encerrada, deve ocorrer até o mês de dezembro. Participam das audiências os membros do Senado, da Câmara dos Deputados, do Governo Federal, dois governadores e um representante da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP).

Insatisfação crescente

A decisão da Apib já vinha sendo cogitada há algumas semanas. As queixas sobre a condução das conversas se multiplicavam e davam conta de uma inevitável ruptura. Em entrevista ao Vocativo, a advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana de Paula Batista, denunciou uma série de condutas consideradas inadequadas durante as reuniões na Suprema Corte do país.

O processo de conciliação foi aberto com a perspectiva de que “para sentar-se à mesa, é necessário disposição política e vontade de reabrir os flancos de negociação”. A primeira reunião, no entanto, envolveu uma sucessão de colocações, por parte dos juízes instrutores, que na avaliação da advogada, foram permeadas de violência com os povos indígenas. “O STF não suspendeu pontos fundamentais da Lei que já foram julgados e considerados inconstitucionais em setembro do ano passado”, lembrou Juliana.

Os negociadores também decidiram que, que na falta de consenso as decisões seriam tomadas por “maioria”. “O STF tem uma função contramajoritária na defesa dos direitos das minorias. Parece contraditório que o Tribunal aceite que as decisões reflitam a “maioria” em uma comissão em que os indígenas são minoria, ou seja, seria aceitar que esses direitos podem ser modificados a partir de um critério majoritário que não traz qualquer segurança para a defesa dos direitos fundamentais”, explicou.

Os indígenas também foram questionados se preferiam a conciliação ou uma PEC. O autor do questionamento, que não foi identificado pela advogada, teria perguntado de forma sarcástica se os indígenas teriam representação política suficiente para a votação de uma PEC. “O ambiente para esse diálogo não deveria ser permeado por posturas institucionais que levam a crer que o ambiente é de chantagem ou pressão”, lamentou Juliana.

Não bastasse tudo isso, quando os indígenas questionaram se a conciliação continuaria com a saída deles, ouviram que se saíssem estariam “assumindo a espiral de conflitos”. “É paradoxal que a violência a que estão submetidos seja colocada como “responsabilidade” das vítimas e que a conciliação possa prosseguir sem os principais impactados por qualquer acordo. Também é uma inovação que o sistema jurídico aceite uma “conciliação forçada” em que uma das partes não aceita ou não concorda com os termos do resultado”, questionou Batista.

De acordo com a advogada, que coincide com as declarações oficiais da Apib, o acordo final é uma espécie de “contrato” entre as partes. Nessa perspectiva, os indígenas estariam diante de uma proposta na qual a autonomia da vontade deles não é considerada e em que os termos podem ser obtidos sem um ambiente de liberdade.

“Diante desses pontos, o Juízo conciliador demonstrou pouca habilidade para sentar-se a mesa com disposição política, pois partiu de pressupostos que são nitidamente vinculados a um “lado” da negociação. É possível que esse Juízo sequer tenha notado o nível de violência política, jurídica e institucional a que os indígenas foram submetidos nessa primeira audiência. Será muito difícil para eles prosseguir em um diálogo que pretende se realizar nestes termos”, alertou a advogada.


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