Ao menos 208 indígenas foram assassinados no Brasil ao longo do ano de 2023. O dado consta do relatório Violência Contra os Povos Indígenas, que o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgou na tarde desta segunda-feira (22/07/2024). O Amazonas segue entre os três estados do país que lideram em número de assassinatos de indígenas, com 36 ocorrências.
Este é o segundo pior resultado registrado desde 2014, quando o conselho passou a recorrer a dados oficiais para contabilizar homicídios de indígenas. Os 208 assassinatos em 2023 significam aumento da ordem de 15,5% em comparação com 2022 (180). O resultado vai na contramão da redução do número de homicídios no país. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os assassinatos diminuíram 3,4% em 2023, na comparação com 2022.
Os autores da publicação, contudo, destacam que, este ano, acessaram uma base de dados “mais completa e atualizada” para tabular os casos de assassinatos, suicídios, mortalidade infantil e mortes por desassistência à saúde entre indígenas, o que pode ter resultado em números mais altos, dificultando a comparação com anos anteriores.
Ainda de acordo com o Cimi, em 2023 os estados de Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36) encabeçaram o ranking das unidades da federação com maior número de assassinados. Juntos, esses três estados totalizam quase 40% dos homicídios registrados em 26 das 27 unidades federativas. A maioria (171) das vítimas tinha entre 20 e 59 anos e foram identificadas como homens (179), enquanto as demais 29 foram registradas como mulheres.
Os dados do anuário são compilados por equipes do próprio Cimi, a partir da base do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de informações obtidas junto à Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). O Cimi contabilizou 203 óbitos por agressão contra indígenas em 2021; 216 em 2020; 196 em 2019; 135 em 2018; 110 em 2017; 118 em 2016; 137 em 2015 e 138 em 2014.
Violência por Omissão
O relatório do Cimi contém dados igualmente “preocupantes” relativos a outras formas de violência contra os povos indígenas no Brasil. Ainda segundo os dados consultados junto ao SIM e obtidos junto à Sesai, foram registradas 1040 mortes de crianças indígenas de 0 a 4 anos de idade em 2023, sendo 670 por causas evitáveis.
O Amazonas apareceu liderando essa estatística nacional com 295 mortes nessa faixa etária, seguido por Roraima, com 179 casos, e Mato Grosso, com 124. O relatório registra ainda que pelo menos 180 indígenas tiraram suas próprias vidas.
BR-319
O relatório documentou ainda diversos casos de invasões, grilagem, projetos de exploração e conflitos territoriais que afetam diretamente as comunidades indígenas da região. Um dos casos mais emblemáticos envolve a Terra Indígena Apurinã Igarapé São João, onde o projeto de pavimentação da rodovia BR-319 tem gerado grande preocupação.
Apesar das recomendações do Ministério Público Federal (MPF) em 2022 para consultar as comunidades indígenas afetadas, as obras seguiram sem a devida consulta. Políticos locais do Amazonas e de Rondônia têm pressionado pela abertura de novos trechos da rodovia, inserida no Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA) em dezembro de 2023. A pavimentação deve agravar a grilagem de terras públicas e impulsionar a exploração criminosa de madeira.
Comércio de NFTs
Outro incidente crítico ocorreu na Terra Indígena Baixo Seruini/Baixo Tumiã, onde a empresa Nemus Brasil Participações S/A está envolvida no comércio de tokens não fungíveis (NFTs) de partes das terras indígenas. Essa prática tem gerado conflitos e insegurança jurídica, pois falta regulamentação adequada no Brasil, e as comunidades afetadas não foram consultadas.
Além disso, megaprojetos de mineração e exploração de recursos naturais seguem ameaçando os territórios indígenas. O projeto de exploração de potássio pela empresa Potássio do Brasil no território Mura de Lago do Soares e Urucurituba, em Autazes (distante 111km de Manaus), é um exemplo. A empresa tem pressionado os indígenas, tentando cooptar lideranças e subvertendo o direito à consulta prévia, livre e informada das comunidades.
Exploração Ilegal de Madeira e Garimpo
A Terra Indígena Tenharim Marmelos continua a ser alvo de exploração ilegal de madeira e garimpo. Em julho de 2023, uma operação conjunta da Polícia Federal e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) destruiu equipamentos utilizados na exploração ilegal, como escavadeiras e motores de dragagem. A TI também é ameaçada pelo projeto de construção da Hidrelétrica Tabajara, em Machadinho d’Oeste, Rondônia.
Invasões no Vale do Javari
A Terra Indígena Vale do Javari, que abriga pelo menos 15 povos isolados, enfrenta invasões frequentes de caçadores e pescadores ilegais. Em março de 2023, lideranças locais denunciaram a falta de fiscalização diante das invasões ligadas ao narcotráfico na fronteira com o Peru. Essas atividades ilegais representam uma ameaça constante às comunidades indígenas da região.
Demarcações
O relatório listou ainda que o avanço tímido nas demarcações de Terras Indígenas (foram apenas oito no primeiro ano do novo governo) refletiu na intensificação de conflitos, com diversos casos de intimidações, ameaças e ataques violentos contra indígenas, especialmente em estados como Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraná.
A disposição do governo federal em explorar petróleo na foz do Amazonas, a priorização orçamentária ao agronegócio e o apoio a grandes projetos de infraestrutura e de exploração minerária em conflito com povos indígenas, como a ferrovia “Ferrogrão” e as investidas de empresas estrangeiras sobre o território Mura, no Amazonas, também compuseram este cenário.
Descubra mais sobre Vocativo
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

