Amazonas

MPF: Laudos do IPAAM sobre projeto de potássio têm falhas graves

Lideranças Mura relatam ameaças, uso da estiagem e o aliciamento até de crianças para cooptar apoio para o projeto Potássio Autazes, no Amazonas. Segundo o MPF-AM, as licenças emitidas pelo IPAAM possuem graves falhas de segurança

Com onze licenças emitidas nos últimos meses, o projeto Potássio Autazes, da empresa Potássio do Brasil avança sobre territórios ocupados por indígenas Mura na Terra Indígena Lago do Soares e Urucurituba, na região de Autazes, distante 111 km de Manaus. Nesta quarta-feira (29/05/2024), o Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) convocou uma coletiva de imprensa para dar voz a diversas lideranças indígenas sob ameaça na região e também fazer graves denúncias sobre a obra que já começou a sair do papel.

Enquanto acontece uma verdadeira batalha de decisões entre juízes federais do que atuam no estado e desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília sobre o andamento do projeto, surgem informações preocupantes sobre os possíveis impactos ambientais da obra.

O procurador da República responsável por povos indígenas, Fernando Merloto Suave, lembrou que há quase um ano foi realizada uma outra coletiva de imprensa onde diversas irregularidades foram denunciadas e desde então a situação piorou. De lá pra cá, mais denúncias de coação e ameaças de morte contra lideranças indígenas Mura surgiram, fazendo com que outras pedissem proteção federal.

A grande polêmica envolvendo o projeto é a dúvida sobre a existência ou não de ocupação indígena na área onde se planeja fazer a extração do potássio. De acordo com levantamentos feitos pelo MPF-AM, há provas da presença de comunidades indígenas inteiras há mais de 200 anos no local. O processo de demarcação, no entanto, vem se arrastando desde 2003, o que somado ao pedido de exploração da Potássio do Brasil feito em 2009 gerou todo esse impasse.

O problema, de acordo com a Procuradoria, é que o órgão que deveria fazer a avaliação da viabilidade do projeto, no caso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) simplesmente se nega a fazê-lo, o que gerou uma disputa judicial de quem seria a competência. Unidos no apoio ao projeto, o governo do Amazonas e a Potássio do Brasil entraram com uma ação judicial para que a competência passasse ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM).

Em fevereiro deste ano, o desembargador Marcus Augusto de Souza, do TRF-1, suspendeu a liminar da Justiça Federal no Amazonas que anulava a licença prévia do projeto de exploração de potássio concedida pelo IPAAM, e atribuía ao IBAMA essa competência. Vale lembrar, no entanto, que há jurisprudência no próprio Tribunal estabelecida no caso da mina de Belo Sun dando conta de que esse tipo de licença é de responsabilidade do IBAMA mesmo.

Com isso, o órgão estadual começou a emitir diversas licenças. Até o fechamento desta matéria foram 11. De acordo com o MPF-AM todas possuem falhas graves e que podem comprometer a segurança da região. “Laudos científicos em geral são cautelosos quanto às conclusões, mas no caso dos que solicitamos, eles foram contundentes ao alertar para as falhas das licenças emitidas pelo IPAAM“, alertou a procuradora Sofia Freitas.

Segundo a Procuradoria, o IPAAM fragmentou a avaliação do projeto da mina em diversas partes isoladamente. A surpreendente justificativa é para não atrasar o andamento da obra (como se a obrigação do órgão fosse essa). Freitas explicou, no entanto, que essa forma de avaliação não consegue medir o impacto que o todo do projeto trará no local. “Não há sequer estudos sobre possíveis tremores de terra oriundos da extração”, afirmou.

Ameaças

Representantes do povo Mura estiveram novamente presentes para relatar coação, ameaças de morte e até atentados atribuídos à críticas ao projeto. O tuxaua dos Mura, Gabriel Mura, criticou a agressividade com que apoiadores de iniciativa tratam indígenas contrários à exploração. “Estamos sendo atacados dentro do nosso próprio território”, alertou.

Milena Mura, representante da Organização de Mulheres Indígenas Mura de Autazes, reclamou do crescente lobby em favor da mineração na Amazônia e da falta de espaço de posições contrárias ao projeto na mídia. “Mídia, empresa e governo dizem que o povo Mura é favorável ao projeto, o que não é verdade. Estamos sendo ameaçados”, afirmou.

Aliciamento

Segundo Milena, pessoas ligadas à Potássio se aproveitaram da estiagem recorde de 2023 para cooptar indígenas, inclusive com a distribuição de alimentos e água potável nas comunidades em troca de apoio ao projeto. Há relatos de compra de brinquedos para crianças, em tentativa de fazer com que elas convencessem seus pais a apoiar a extração mineral.

Novas ações judiciais

Para o MPF, o que parece estar em andamento é a estratégia de acelerar o licenciamento de um empreendimento para depois alegar a impossibilidade de voltar atrás, impondo aos povos impactados os efeitos do projeto, que muitas vezes incluem a especulação sobre suas terras ou a completa modificação do meio ambiente natural, impossibilitando a sobrevivência segundo seus modos de vida e costumes. O órgão pede na Justiça a imediata paralisação de todas as atividades, até que o processo para demarcação das terras do povo Mura avance e os problemas do processo de licenciamento possam ser corrigidos.

Ao final da coletiva, os procuradores do Ministério Público Federal anunciaram a produção de mais relatórios sobre impactos ambientais para tentar reverter as licenças emitidas pelo IPAAM. Questionado pelo Vocativo, o procurador Fernando Merloto cogitou recorrer até à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que esta semana enviou comitiva a Manaus.


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