Considerada uma obra de alto impacto ambiental e baixo retorno energético, a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará teve sua licença vencida em 2021. Pesquisadores publicaram esta semana um estudo onde alertam que, sem mudanças expressivas na governança e operação das barragens, renovar essa licença pode causar uma catástrofe ambiental e humana na região.
Com obras avaliadas em R$ 18 bilhões, a hidrelétrica de Belo Monte tem sido alvo de críticas, denúncias, ações na justiça e manifestações, seja por seus impactos ambientais quanto sociais desde a sua inauguração, em maio de 2016 (as obras, no entanto, continuaram até 2019). E se não forem feitas mudanças na política de governança do projeto, a tendência é preocupante.
O alerta, publicado em artigo de perspectiva na revista científica “Perspectives in Ecology and Conservation” na sexta (24/05/2024), é de pesquisadores de dez instituições, entre elas, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Universidade de São Paulo (USP), o Instituto Socioambiental (ISA) e o Ministério Público Federal (MPF) de Altamira, no Pará.
O trabalho contextualiza os impactos da usina hidrelétrica de Belo Monte, que fica próxima ao município de Altamira (PA), com dados da literatura científica e de ações do MPF. Desde a inauguração da última das 18 turbinas, em 2019, a hidrelétrica desvia água do rio Xingu através de um canal que deixou um trecho de 130 quilômetros de uma região do rio, conhecida como Volta Grande, com menos de 30% de sua vazão natural anual. Isso, segundo a análise, evita a inundação em determinada época do ano de 86% da área total originalmente coberta por igapós, um tipo de vegetação sazonalmente inundada.
“O trabalho menciona o fato óbvio que direcionar mais água para a Volta Grande vai diminuir a produção de energia, mas não apresenta números para quanto. É bom lembrar que não é por falta de aviso que a água é insuficiente para a capacidade da usina que foi instalada, e agora a empresa precisa pagar as consequências”, explicou ao Vocativo o biólogo Philip Fearnside, pesquisador titular do INPA e coautor do texto.
Dentre as consequências desse desvio, relatadas pelos especialistas, está o declínio da reprodução dos peixes e quelônios da região, diminuindo rendimentos pesqueiros, perda de vegetação adaptada às cheias e aumento do risco de extinção de espécies endêmicas, além de mudanças nos padrões de sedimentação do rio que afetam a qualidade da água. Estima-se, também, que esse processo causou impactos sociais, com o deslocamento de cerca de 40 mil pessoas para assentamentos urbanos na periferia da cidade de Altamira, segundo dados do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Segundo explicam os especialistas, o desvio de Volta Grande é mantido para priorizar a plena capacidade de geração da casa de força principal de Belo Monte e faz parte do plano de engenharia original, elaborado pela Norte Energia, empresa que administra o complexo. A legalidade do processo de licenciamento da hidrelétrica, no entanto, é contestada em 22 ações movidas pelo Ministério Público Federal. Em uma delas, de setembro de 2022, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a construção de Belo Monte violou a lei brasileira ao não realizar consultas com os povos indígenas e tradicionais da Volta Grande para a instalação das barragens.
Em audiência promovida pelo MPF-PA em 2022, os pescadores da região do médio Xingu, no Pará, alegaram estar passando por dificuldades para sustentar suas famílias desde as obras da hidrelétrica, quando começaram as explosões no rio e a mortandade de peixes. “Antes eu nunca vi pescador mendigar cesta básica e agora dependemos de cesta básica porque hoje não tem mais peixe para sustentar nossa família. Tomaram o que é nosso, tomaram nosso peixe e tomaram as nossas vidas”, disse o pescador Áureo da Silva Gomes, que mora na área do reservatório da usina, em uma das duas audiências públicas promovidas em Altamira e Vitória do Xingu esta semana para debater a situação.
Para mitigar os impactos de Belo Monte, segundos os especialistas, seria preciso mudanças na operação que garantam que uma quantidade adequada de água volte a fluir pela Volta Grande, de forma que seu trajeto se aproxime do ciclo e duração natural das cheias do rio. Além disso, uma mudança na governança da hidrelétrica também seria necessária, de modo a envolver povos indígenas e ribeirinhos locais no monitoramento das operações e no processo de licenciamento da hidrelétrica.
Além de sugerir mudanças na governança de Belo Monte, os especialistas defendem que hidrelétricas com 10 MW ou mais de capacidade instalada não devem mais ser construídas na região amazônica. Mas, apesar do alerta, Fearnside não se anima quanto à possibilidade de mudanças vindas do poder público.
“Infelizmente, há indícios de que o governo ainda não mudou a sua política com relação a hidrelétricas. As hidrelétricas amazônicas continuam sendo apontadas como emissores de gases de efeito estufa, especialmente durante os primeiros anos após a construção, ou seja, justamente na janela de tempo quando o aquecimento global precisa ser controlado para evitar mundial que devastaria o Brasil, junto com outros países”, lamenta o biólogo.
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