Na última quarta-feira (24/04/2024), um casal de dois homens denunciou em São Paulo uma empresa de convites de casamento que se recusou a atender um pedido alegando não fazer “convites homossexuais”. A repercussão do caso levantou dúvidas sobre questões legais a respeito da proibição de discriminação nas relações de consumo.
Vários usuários da internet e figuras de extrema direita alegaram que seria “direito” dos proprietários negar o atendimento com base na liberdade individual e até mesmo na crença religiosa. Especialistas em direito do consumidor, no entanto, alegam que a recusa é crime e pode render sérias penalidades aos comerciantes.
“Não importam as convicções, posições, ideologias ou visões de mundo do empresário: todas as pessoas possuem o direito de ser atendidas em suas demandas de consumo quando a empresa possui capacidade para atendê-las”
Igor Britto, diretor de relações institucionais do Idec
“Além de combater rigorosamente toda forma de discriminação nas relações de consumo, as autoridades competentes precisam lembrar o empresariado sobre uma regra já antiga do nosso Código de Defesa do Consumidor: quem decide abrir uma empresa não decide quem será seu cliente. Quem escolhe a empresa é a pessoa consumidora e não o contrário. Isso não é uma estratégia de marketing, é uma regra prevista em Lei”, explica Igor Britto, diretor de relações institucionais do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idec).
Vale lembrar que o CDC considera prática abusiva “recusar atendimento às demandas de consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque”. Ou seja, se a empresa tem disponibilidade do produto ou serviço para oferecer, não pode recusar atendimento a nenhuma demanda de quem a procurar. “Não importam as convicções, posições, ideologias ou visões de mundo do empresário: todas as pessoas possuem o direito de ser atendidas em suas demandas de consumo quando a empresa possui capacidade para atendê-las”, alerta Brito.
Daniel Dias, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, destacou que a lei é clara ao proibir práticas discriminatórias em qualquer relação de consumo. “Segundo o artigo 39, incisos I e II do CDC, é proibido ao fornecedor de produtos ou serviços recusar atendimento as demandas dos consumidores, dentro das possibilidades de estoque e em conformidade com os usos e costumes”, explica.
Motivação religiosa
Sobre a possibilidade de alegação de motivação religiosa para a recusa do serviço, Dias foi cauteloso. Vale ressaltar que esse não foi o motivo usado pelos comerciantes, sendo a hipótese levantada por alguns internautas. Ele cita como exemplo um caso nos Estados Unidos, onde um confeiteiro se recusou a fazer um bolo para um casal gay alegando crenças religiosas. A Suprema Corte americana validou a recusa, reconhecendo a possibilidade de recusa quando esta viola princípios religiosos.
O especialista ressalta que, no Brasil, a Constituição garante tanto a objeção de consciência quanto a liberdade religiosa. Ele pondera que, em casos hipotéticos onde a recusa se baseia em crenças religiosas genuínas e causa sofrimento ao indivíduo, seria necessário analisar cuidadosamente a colisão de direitos fundamentais, algo que provavelmente seria feito no Supremo Tribunal Federal (STF). “A discussão sobre os limites da recusa de serviço por motivos religiosos é complexa e exige uma análise cuidadosa de cada caso concreto”, pondera o professor.
Penalidades
Com o entendimento atual da legislação no Brasil, no entanto, os proprietários da loja de convites e outros que agirem da mesma forma deverão ter problemas na justiça. “A homofobia é crime no Brasil, e também uma violação gravíssima às normas consumeristas. A empresa que adotar essa postura precisa ser penalizada. Um Procon, por exemplo, pode aplicar desde uma multa alta até a interdição do estabelecimento comercial, se reincidente”, afirma Igor Britto.
Quanto às consequências para o comerciante que recusa atendimento sem revelar um motivo, Daniel Dias afirmou que tal prática pode ser penalizada, pois configura uma violação ao código. “O mercado de consumo obriga o atendimento equânime de todos os clientes”, esclareceu.
As penalidades para práticas abusivas são variadas, incluindo multas, apreensão de produtos e possível cassação do registro do estabelecimento. Em caso de dano ao consumidor, Dias aconselhou a busca por resolução extrajudicial inicialmente e, persistindo o problema, a possibilidade de ação judicial.
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Esta é a próxima intervenção numa economia de mercado livre em detrimento da liberdade individual, que a Carta Magna também garante?
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A carta magna não permite discriminação. Seu direito termina quando começa o do outro
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Qual é então a discriminação contra criminosos que não são atendidos pelo banco na hora de emitir dinheiro? O que a decisão pessoal do proprietário de uma empresa tem a ver com discriminação quando existem centenas de outras empresas oferecendo o mesmo serviço?
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