O presidente da Comissão de Relações Internacionais, Promoção ao Desporto e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes e vice-presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), deputado estadual João Luiz (Republicanos) anunciou que vai enviar documento para que a Secretaria de Estado de Educação e Desporto Escolar (Seduc) não aceite o livro “Avesso da Pele”.
O parlamentar justificou a censura alegando que o livro usa linguagem “imprópria” para crianças e adolescentes do Amazonas. “Este é um tipo de livro que vira a cabeça das crianças para o mal. Nós precisamos proteger as crianças e os nossos adolescentes. Como presidente da Comissão desta Casa, que defende o direito do público infantojuvenil, vamos enviar uma foto do livro e do teor do que está escrito dentro dele”, disse o deputado João Luiz.
O caso vem ganhando força entre políticos conservadores após a diretora de uma escola gaúcha chamou de “lamentável” o envio de 200 exemplares da obra para a Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira. Após a reclamação, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação do Rio Grande do Sul solicitou que os exemplares da obra não sejam disponibilizados nas bibliotecas nem aos estudantes de escolas da sua abrangência, “até segunda ordem”. Desde então, bolsonaristas estão tentando censurar a obra por todo o país.
Na rede social Instagram, o autor Jeferson Tenório considerou o episódio como “absurdo”. À emissora de TV por assinatura Globo News, ele declarou: “me causa sempre espanto, porque já temos tão poucos leitores no Brasil e deveríamos estar preocupados em formar leitores. E não censurar livros”. Jeferson Tenório disse que o título também foi alvo de tentativa de censura por parte de uma escola de Salvador (BA), em 2022 e conectou as iniciativas de censurar a obra à polarização política e ao conservadorismo.
MinC
A ministra da Cultura (MinC), Margareth Menezes, também repudiou os ataques à obra. “Meu total repúdio a qualquer tipo de censura em relação à nossa literatura. O que estiver no escopo do Ministério da Cultura, o que for possível fazer para apoiar, dentro da legalidade, para combater esse tipo de ação, nós faremos.”
A ministra acrescentou que as escolhas dos livros pelo programa federal do MEC seguem diretrizes claras. “Não são feitas de maneira deliberada. Existem conselhos. O que é colocado ali não é de graça, ainda mais em relação às escolas. Nós estamos procurando ter todo o cuidado. E o ministro Camilo [Santana, do MEC], o Ministério da Educação também têm essa sensibilidade.”
MEC
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) explicou o processo de inclusão de obras no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). O MEC esclareceu que os professores escolhem livros a serem adotados em sala de aula, e não o MEC e que a pasta envia obras para escolas apenas mediante solicitação dos próprios educadores.
“A escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola a partir do Guia Digital, onde as obras integrantes do programa estão listadas para conhecimento de professores e gestores.” De acordo com o comunicado, a obra O Avesso da Pele entrou no PNLD em 2022, juntamente com outros 530 títulos.
A editora
A Companhia das Letras publicou um texto em sua página na internet, no qual condena a censura. “A retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo”, diz o texto. Clique aqui e leia a íntegra da nota.
Livro premiado
A obra O Avesso da Pele já foi traduzida para 16 idiomas e ganhou o Prêmio Jabuti, principal prêmio literário brasileiro, na categoria Romance Literário, em 2021. O livro trata das relações raciais, sobre violência e negritude e identidade na história fictícia de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado em uma desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos.
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É muito triste que ainda tenhamos que perder tempo discutindo coisas tão pequenas quanto se um livro leva ou não as crianças e adolescentes para o “mal”, como apontou o deputado. É esperado que para o livro fazer parte do Programa Nacional do Livro e do Material Didático o mesmo tenha que passar por conselhos e atender a critérios técnicos estabelecidos pelo Ministério da Educação. Portanto, o fato de a obra ter sido aprovada e constar no PNLD refuta qualquer tese que defenda que o conteúdo do material poderia ser inapropriado para os alunos. Ao invés de o deputado estar preocupado em investigar os entes públicos, verificar se os recursos públicos estão sendo bem investidos e as políticas públicas bem executadas – principal atribuição do Poder Legislativo -, o parlamentar se debruça a engajar uma discussão que tem fins exclusivamente ideológicos e de gerar polarização. Já se tornou exaustivo acompanhar discussões desse tipo no Brasil.
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