Amazonas

Entenda a decisão judicial envolvendo a UFAM e o que virá a seguir

Jurista explica que problema está na legislação regional, mas decisão pode ser revertida

Nesta segunda-feira (26/02/2024), o desembargador Alexandre Machado Vasconcelos, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, rejeitou o recurso da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e manteve suspenso um bônus de 20% nas notas do Enem para estudantes do Amazonas na disputa de vagas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

O percentual foi suspenso em janeiro por decisão da juíza Marília Gurgel Rocha de Paiva e Sales, da Justiça Federal do Amazonas, suspendeu o bônus de 20% aos estudantes do estado dado por lei estadual. Na ocasião, a magistrada atendeu uma ação movida por Caio Augustus Camargos Ferreira, do Distrito Federal, que disputava, à época, uma das vagas de Medicina na Ufam.

A decisão judicial causou a suspensão da matrícula dos candidatos e prejudicando mais de 5 mil pessoas, além da reação indignada dos estudantes nas redes sociais. Na decisão, o desembargador usou julgamento recente do Supremo Tribunal Federal (STF) como base e argumentou que a bonificação cedida aos estudantes “é uma afronta à Constituição Federal, uma vez que é proibido criar distinções ou preferências entre brasileiros”.

Desiguais e iguais

A bonificação em si é uma política afirmativa, como são também as reservas de vagas e que, portanto, são legítimas do ponto de vista constitucional, sempre que elas privilegiem, beneficiem grupos em vulnerabilidade social. Um dos argumentos utilizados pelo STF para considerar constitucionais as cotas e outras políticas afirmativas é uma frase do filósofo grego Aristóteles, que prega “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”. Neste caso, no entanto, o entendimento pode não ser aplicado.

“O que o Supremo Tribunal Federal disse até agora é que uma reserva de vagas de 80% com base na origem dos candidatos é inconstitucional, porque ela beneficia um grupo de uma forma que a Constituição não avaliza”, explica Wallace Corbo, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO).

O Supremo Tribunal Federal já afirmou na sua jurisprudência, reiteradamente, que o tratamento desigual é compatível com o princípio da igualdade sempre que ele favoreça grupos em situação de vulnerabilidade social, como, por exemplo, indígenas, pessoas negras, pessoas com deficiência que, por conta de um pertencimento a um grupo social, sofrem discriminação, preconceito e exclusão de diferentes espaços, inclusive no ensino superior.

“A questão aqui é definir quando que é possível estabelecer um tratamento desigual a pessoas ou grupos em razão das suas particularidades. Recentemente, o Supremo entendeu que medidas que busquem, por outro lado, conferir um tratamento desigual no âmbito do vestibular do Enem, com base na origem das pessoas – ou seja, qual é a naturalidade daquelas pessoas – não se presumem constitucionais”, afirma Corbo.

Foi com base nesse entendimento que o STF já declarou a inconstitucionalidade de uma legislação que reservava, no Estado do Amazonas, 80% das vagas em universidades para estudantes que cursaram o ensino médio no Amazonas. “O que disse o Supremo? Que os estados podem ter, sim, um interesse na fixação de estudantes de profissionais que queiram cursar o ensino superior no Estado, mas, apesar de poder ter esse interesse, qualquer critério seletivo tem que considerar vulnerabilidades sociais”, avalia o jurista.

“Se eu simplesmente dou uma bonificação para um estudante porque ele cursou o ensino médio em um determinado estado, eu estou de fato beneficiando uma pessoa que precisa da bonificação porque sofre algum tipo de vulnerabilidade? Não necessariamente. Eu posso simplesmente estar discriminando com base na origem, na procedência. E isso não é possível pela nossa Constituição”, alerta Wallace.

Nem tudo está perdido

No entanto, nem tudo está perdido. A discussão sobre a norma criada especificamente no Amazonas ainda chegará até a Suprema Corte do país. “É possível sim, que essa discussão suba nas instâncias judiciais e que o Supremo seja chamado novamente a decidir e, eventualmente, entenda que uma bonificação que não seja desproporcional pode atender a objetivos legítimos, como a fixação de profissionais, de especialistas, de pessoas gabaritadas tecnicamente, que é o que a universidade permite”. Então, no Supremo, a discussão específica sobre a bonificação ainda está em aberto, mas a decisão judicial tenta aplicar o que o Supremo já decidiu”, pondera.

“Muito provavelmente, essas decisões vão gerar um novo debate no âmbito do Supremo Tribunal Federal, para que ele diga, se aplica a sua jurisprudência ou se cria um novo precedente para a questão das bonificações. E também o Superior Tribunal de Justiça pode ser chamado a analisar se é compatível a política daquela determinada universidade com o que está previsto na legislação de cotas no âmbito federal”, avalia Wallace Corbo.


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