
O deputado federal Amom Mandel (Cidadania) e integrantes da cúpula de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) estão em atrito público desde a última quinta-feira (04/01/2024). O motivo teria sido uma suposta abordagem abusiva da Ronda Ostensiva Cândido Mariano (Rocam).
O que parecia ser um simples entrevero de trânsito, virou uma verdadeira batalha de narrativas e troca de acusações. O Vocativo tentou ouvir todas as partes e fazer questionamentos para entender o caso e reuniu o máximo de informações disponíveis pra dissecar o que de fato aconteceu.

O que existe de concreto
Tirando todas as versões dos acontecimentos, o que se sabe com certeza até o momento é que houve um incidente no trânsito envolvendo o deputado Amom Mandel, sua namorada, uma moça amiga do casal e uma guarnição da Rocam na zona Leste de Manaus na última quinta. Nesse incidente o deputado teria se desentendido com os policiais e todos teriam ido parar na delegacia. É tudo que se sabe com certeza até aqui.
O que diz Amom Mandel
O deputado afirma que ele, a namorada e uma amiga do casal dirigiam na avenida Autaz Mirim, zona leste da capital, quando foram alvo de uma abordagem truculenta durante a operação Impacto, da Polícia Militar. Nessa abordagem, a Rocam teria apontado uma arma para a namorada de Amom, o que teria motivado reclamação.
Durante a discussão com os policiais, o deputado teria dado voz de prisão para os agentes. Vale ressaltar que essa ação foi inclusive anunciada para a imprensa pelo governo do estado na última quarta-feira (03/01/2024), véspera do incidente. Guarde essa informação.
No dia seguinte, o deputado se dirigiu à sede da Superintendência da Polícia Federal (PF) no Amazonas onde marcou uma entrevista coletiva para divulgar uma suposta denúncia envolvendo a alta cúpula da segurança pública do estado, que estaria envolvida com o tráfico de drogas. Ao final do dia, a coletiva foi cancelada, o deputado passou a se manifestar apenas pelas redes sociais, afirmando que estaria sendo ameaçado por uma denúncia feita no dia 13 de dezembro de 2023.


Na denúncia, Amom afirma ter tido acesso a relatório da Secretaria Executiva Adjunta de Inteligência do Amazonas (SEAI) com provas de ligações diretas da alta cúpula da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP-AM), Secretaria de Administração Penitenciária e Comando Geral da Polícia Militar com organizações criminosas e o tráfico de drogas.
Segundo o parlamentar, a denúncia foi mantida em sigilo por questões de segurança. Nas semanas seguintes, o deputado alega ter sofrido ameaças, insinuações e intimidações de diversas vertentes. O ápice teria sido a abordagem policial de quinta. Por esse motivo, Amom teria decidido trazer a público o caso, como tentativa de se resguardar.
“O relatório cita o nome de pessoas importantes e poderosas do nosso Estado. Por esse motivo, a possibilidade do sigilo dele ter sido quebrado pode colocar a minha vida e a das pessoas que trabalham conosco em perigo”, afirmou o deputado em release distribuído para a imprensa. No depoimento dado à PF (documento abaixo), Amom afirma que o deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), Roberto Cidade (União Brasil) tentou dissuadi-lo da ideia de dar uma coletiva de imprensa, fato não confirmado pela assessoria de Cidade.
Entre as coerções, estariam o vazamento de informações pessoais de seus familiares, a disseminação de informações falsas sobre seu mandato e a abordagem violenta feita por policiais da Ronda Ostensivas Cândido Mariano (Rocam) enquanto o deputado circulava na Zona Leste de Manaus com sua companheira. O parlamentar fez um pedido de proteção à Polícia Federal para assegurar a sua segurança e a de seus familiares.
O que diz a SSP-AM
A operação na qual ocorreu o incidente foi anunciada na quarta-feira, dia 03 de janeiro de 2024 e tinha como objetivo, segundo o governo, atuar em bairros e zonas da capital previamente mapeados pela Secretaria de Estado de Segurança Pública, envolvendo efetivos de todos os órgãos do Sistema de Segurança. Ou seja, a operação era de conhecimento público.
Em entrevista coletiva realizada na tarde deste sábado (06/01) o secretário de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), Vinicius Almeida, alegou que a abordagem realizada pela equipe da Rocam teria sido procedimento padrão e que o deputado federal Amom Mandel cometeu abuso de autoridade e humilhou os policiais que estavam realizando o trabalho naquela noite, se valendo do cargo parlamentar que ocupa.
O subcomandante do Comando Policial Especializado (CPE), Peter Santos, afirmou que ao chegar na ocorrência cumprimentou o deputado e questionou os policiais sobre a abordagem que havia acabado de acontecer. “Segundo o relato da equipe, eles verificaram o veículo que estava com as lanternas apagadas, transitando pela via, mudando constantemente de faixa. Então, os policiais resolveram fazer a abordagem para verificar a situação. Tentaram parar os veículos algumas vezes, emitindo sinais sonoros e luminosos e com gestos, mas não foram atendidos. Quando conseguiram fazer a parada do veículo, os policiais verificaram que no veículo estavam três pessoas”, explicou.
De acordo com o comandante do CPE, segundo relatos da equipe da Rocam, o deputado desceu do carro contrariado, questionando os policiais por qual motivo estava sendo abordado. Os agentes tentaram explicar que se tratava de uma abordagem padrão, mas o deputado continuou questionando o trabalho da equipe e por não concordar com a abordagem, informou que estava dando voz de prisão à guarnição. Ainda de acordo com o comandante o mesmo aconteceu com ele, ao receber voz de prisão do deputado após explicar que os policiais não poderiam ser presos e encaminhados para um Distrito Policial, por serem militares.
Após dar voz de prisão a guarnição e ao subcomandante do CPE, o subcomandante da Polícia Militar, coronel Thiago Balbi, se deslocou para atender a ocorrência. Ao chegar ao local o subcomandante ouviu o relato do deputado federal e explicou que a situação, por envolver policiais militares, de acordo com o regimento interno da instituição, poderia ser encaminhada, naquele mesmo momento, à corregedoria do Sistema de Segurança Pública. O deputado se recusou a tomar tal medida e solicitou a presença do secretário de Segurança no local.
O secretário então se deslocou até a ocorrência e ao chegar se deparou com o deputado, novamente, exigindo que os policiais fossem presos em flagrante por suposto abuso de autoridade e levados para uma delegacia. Os envolvidos foram, então, encaminhados ao 14º Distrito Integrados de Polícia (DIP), onde foram ouvidos pela delegada de plantão, que não verificou a existência de elementos para que os militares fossem presos em flagrante. Um inquérito policial foi aberto para apurar o caso.
Análise do Vocativo
Inicialmente, o tema não seria pauta do Vocativo. Quando surgiram as denúncias envolvendo a segurança pública do estado, o cenário mudou. Ao longo da última sexta e sábado, o Vocativo tentou ouvir o maior número de fontes envolvidas no incidente, passando da assessoria da SSP até a do próprio parlamentar e sua namorada pra traçar um panorama do que de fato aconteceu. Como não obteve resposta, resta traçar o cenário que se desenha até aqui.
Bem, que a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas e a de Inteligência são alvo de escândalos e denúncias envolvendo crime organizado, não há nenhuma novidade até aqui. O deputado Amom Mandel não precisava de nenhum dossiê pra chegar a essa conclusão. Há várias públicas e com vasta documentação.
Bastava, por exemplo, ouvir a própria Polícia Federal, que realizou em 2021 a Operação Garimpo Urbano. Ou mesmo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público do Amazonas (MPAM) que atuou na descoberta de uma quadrilha supostamente chefiada pelo ex-secretário Carlos Alberto Mansur para chegar a essa conclusão. Há também denúncia da Agência Pública de que a SEAI adquiriu de forma obscura um software capaz de espionar celulares.
Ora, que a segurança pública do Amazonas é um caso gravíssimo, o contribuinte já sabe há anos. Os índices de criminalidade envolvendo o Estado denunciados ano após ano no Atlas da Violência são de domínio público e mostram como o número de assassinatos aqui é completamente fora da realidade.
É justamente a falta de uma intervenção federal e de uma profunda reformulação na nossa segurança pública que gera esse tipo de questionamento e dúvida como as feitas pelo parlamentar. Ele pode perfeitamente estar correto. Ora, se em dois anos foram descobertos dois esquemas de crime organizado dentro da SSP-AM, por que não imaginar mais um? A denúncia de Amom é totalmente plausível e precisa ser apurada com máxima urgência.
Porém…
Independente de qualquer coisa, as declarações de Amom Mandel ainda carecem de alguns esclarecimentos. Ao longo dos últimos dois dias, o Vocativo tentou fazer quatro perguntas para o deputado, mas não obteve resposta da sua assessoria. São elas:
- Há suspeita de espionagem por parte da Seai?
- Por que a denúncia não foi trazida a público em dezembro de 2023 e somente agora?
- Se a coletiva só não foi feita por coação do deputado Cidade e do secretário, por que ela não foi remarcada, já que sua relevância seguia alta?
- Por que o deputado, mesmo ameaçado, não pediu proteção para andar na cidade, especialmente na região onde há mais incidência de crimes? A namorada do deputado foi incluída nesse programa de proteção?
Há vários pontos cegos na versão do deputado. O primeiro deles: Ora, se em 13 de dezembro de 2023 a denúncia de envolvimento da cúpula da SSP-AM no crime organizado não poderia ser divulgada para não prejudicar as investigações, por que isso foi feito menos de 30 dias depois? As investigações já acabaram? Se não acabaram, então elas podem ter sido prejudicadas pelo próprio parlamentar que as divulgou.
Segundo: ora, se a denúncia foi feita para a Polícia Federal em sigilo, como as informações chegaram ao conhecimento da SSP-AM? A Polícia Federal vazou os documentos então? E se há a suspeita de que a cúpula da segurança pública do Amazonas está comprometida pelo crime organizado, por que recorrer a ela? E se há suspeita de vazamento de documentação da PF, por que recorrer a ela e não ao Ministério da Justiça? Sem resposta também.
Terceiro: o comando da SSP-AM se apresentou para os questionamentos dos jornalistas. Ora, então por que o deputado Amom Mandel não fez o mesmo? Todos os questionamentos feitos aqui poderiam ter sido respondidos. E se o deputado Roberto Cidade interferiu de alguma forma nessa situação (sabe-se lá o motivo), não seria o caso de se apresentar e explicar a situação? Inclusive com ele? Sem resposta também.
Amom solicitou proteção federal antes? No comunicado de imprensa, ele alega que “vem sofrendo” intimidação, mas não explica desde quando. Ora, não faz absolutamente nenhum sentido denunciar a SSP, estar sendo ameaçado pelas forças de segurança pública do estado e ir, sem proteção policial federal, exatamente para uma região na qual estava ocorrendo uma grande operação (de conhecimento público) envolvendo agentes policiais. Infelizmente não temos resposta pra isso até agora.
Alguns dos seus comportamentos nas redes sociais do deputado também precisam ser levados em questão. No caso Luciane Barbosa Farias, por exemplo, Amom afirmou em postagem na Plataforma X ter recebido informações de uma interceptação telefônica comprovando o envolvimento da ativista com o crime organizado. Detalhe: nenhuma reportagem do caso, inclusive a do Estado de São Paulo, citaram qualquer interceptação. Dias depois, o deputado apagou a postagem e não tocou mais no assunto.


Agora mesmo, no caso envolvendo a Rocam, Amom apagou neste sábado (06/01/2024) postagem (imagem abaixo) também na plataforma X sobre o incidente na Autaz Mirim onde afirmava que o carro onde estava, transitava no momento da abordagem apenas em local de apenas uma única faixa. O endereço de cache para o comentário inclusive pode ser acessado aqui. O motivo? Não sabemos.

Conclusão
Eu entendo que o jornalista precisa trazer respostas, não dúvidas aos seus leitores. Então esse definitivamente não é o texto que eu gostaria de trazer, mas não poderia deixar minha audiência no vácuo. Era preciso traçar ao menos uma linha cronológica dos acontecimentos. O problema é que os envolvidos no caso demoraram ou simplesmente ignoraram questionamentos da imprensa.
O agente público não fala para o jornalista. Não é ao Fred, a Cynthia Blink, o Bryan ou qualquer outro que eles respondem, mas ao público. Nós, jornalistas, somos apenas o meio dessa mensagem. A nossa missão é simplesmente codificar de maneira clara, aprofundada e objetiva. É uma pena que alguns desses agentes ainda não tenham entendido isso.
Sobre o caso em questão, apenas as apurações dos inquéritos e o trabalho mais prolongado da imprensa independente poderão trazer respostas mais completas. Isso ainda levará tempo. Enquanto isso, nenhum dos dois lados pode alegar estar com a razão. Infelizmente só nos resta esperar.
Por fim, aqui vai uma sugestão para o ato de consumir notícias e para a vida: ignore as versões, ignore as pessoas e olhe apenas para as provas e os fatos. Aquele que assume, prova e ainda se coloca à disposição para esclarecimentos geralmente é o que tem razão. Não há guia melhor para chegar até a verdade do que isso. Se bem que o comportamento das pessoas ajuda muito também.
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