O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou com 14 vetos o projeto de lei que trata do controle, inspeção e fiscalização de agrotóxicos no Brasil. As mudanças, no entanto, não deverão diminuir o impacto negativo do projeto. Vale lembrar que esses vetos ainda poderão ser derrubados no Congresso na volta do recesso de final de ano.
Em tramitação desde 1999, o PL deveria, em tese, estabelecer regras para controle, inspeção e fiscalização desses produtos com potencial de prejudicar a saúde humana e animal. No entanto, o texto aprovado tem potencial para aumentar a circulação dessas substâncias.
Vetos
Um dos vetos foi relacionado ao dispositivo que retirava do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atribuições relativas à fiscalização, repassando a atribuição ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Segundo o Planalto, se aprovado o texto original, Ibama e Anvisa atuariam apenas em “mera complementação” da atuação do Mapa – que acabaria por conduzir essas questões de forma exclusiva.
Na justificativa para o veto, o Planalto argumenta que “a medida evita a transferência da reanálise toxicológica (por riscos à saúde) e ecotoxicológica (por riscos ambientais) para um único órgão, garantindo a manutenção do modelo tripartite, diretamente associado aos direitos à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (previstos na Constituição Federal)”.
Outros vetos seguiram o mesmo caminho, uma vez que, na avaliação da Presidência da República, representavam “a extinção do atual modelo regulatório tripartite (saúde, meio ambiente e agricultura) de registro e controle de agrotóxicos, adotado no Brasil desde 1989”.
Críticas
Durante sua tramitação no Senado, o projeto foi alvo de críticas de diversas entidades, a ponto de ser apelidado de “PL do Veneno” pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Na época, a Fiocruz divulgou documentos que classificavam como retrocesso alguns pontos do PL. Entre eles, a ameaça à função histórica dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente sobre a regulação dos agrotóxicos, enfraquecendo o poder de decisão sobre o registro desses agentes.
Mesmo com os vetos, o projeto ainda tem potencial para fazer aumentar a circulação de agrotóxicos no país. A avaliação é de Alan Tyge, um dos autores do Atlas dos Agrotóxicos, da Fundação Heinrich Böll. “Este projeto foi aprovado no congresso a partir de um grande acordo envolvendo inclusive o governo junto com a bancada ruralista. Então, era altamente improvável que o presidente Lula fosse fazer algum tipo de veto, já que esse projeto era fruto deste grande acordo”, afirma.
“Os vetos foram editados tentando reduzir os superpoderes do Ministério da Agricultura dentro do processo de registros de agrotóxicos, mas não são suficientes pra melhorar ou corrigir os problemas do pacote do veneno, que é justamente essa tentativa que teve êxito no dia de hoje, que é desregulamentar completamente a legislação de agrotóxicos no Brasil. Então hoje é um dia muito triste”, lamentou.
“O pacote do veneno é uma lei produzida pra atender das grandes transnacionais fabricantes e agrotóxicos da bancada ruralista que tem como objetivo colocar sempre mais veneno na nossa agricultura e na nossa mesa”, alerta Alan Tyge.
Judicialização
Uma vez que o controle dos agrotóxicos foi modificado, uma possível saída pode ser a educação. Atualmente, existe uma iniciativa chamada Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, da Fiocruz, que está dentro da política nacional de agroecologia e produção orgânica. A ideia, segundo Marcelo Montenegro, é fazer com que esse programa receba mais verbas para combater o uso desses produtos. Além, é claro, de recorrer à justiça.
“Sem dúvida haverá judicialização. Haverá uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) porque esse projeto está completamente cheio de vícios e irregularidades, inconstitucionalidade, em especial no que tange aí o princípio da precaução e os retrocessos, que foram impostos à saúde e ao meio ambiente pelo pacote do veneno”, analisou Tyge.
Números
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Entre 2019 e 2022, foram liberados 2.181 novos registros, o que corresponde a uma média de 545 por ano. Em 2023, o país aprovou 505 novos registros de pesticidas, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A expectativa era de que, com a nova legislação, o número ficasse ainda maior.
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