Opinião

A classe política do Amazonas versus o jornalismo profissional

O Amazonas, apesar de contar com menos de 2% da população brasileira, concentra quase 25% do total de processos de políticos contra jornalistas nas eleições de 2022

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) publicou nesta quarta-feira (13/12/2023) um dado assustador: o estado do Amazonas lidera em processos movidos por políticos e condenações de jornalistas no país. Ao longo da semana, outras situações serviram para ilustrar esse número e mostrar que a situação é ainda mais grave do que se imagina.

O estudo, feito por meio do projeto Ctrl+X, monitorou os processos eleitorais registrados ao longo do ano passado para acompanhar casos de censura e de assédio judicial que afetam jornalistas no Brasil. Em relação à eleição de 2018, houve um crescimento de 14% no número de processos. Amazonas, Alagoas e Goiás são os estados que mais apresentaram condenações com retirada de conteúdo e multas.

O Amazonas, apesar de contar com menos de 2% da população brasileira, concentra quase 25% do total de processos analisados no relatório. Além disso, também foi o local onde houve o maior número de condenações. Isto é, o maior número de pedidos de remoção de conteúdo deferidos e de multas aplicadas. 

Incidentes

A semana termina com a notícia de que o prefeito de Manaus, David Almeida, contratou advogados para processar jornalistas que publicarem notícias desfavoráveis a ele, ainda que embasadas. A movimentação se enquadra justamente no relatório descrito pela Abraji e já fez, dentre outras vítimas, a jornalista Cynthia Blink, do Manaus 360.

Na quarta-feira, a deputada estadual Joana Darc (União Brasil) foi acusada por uma jornalista de agressão durante a sessão plenária da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) desta quarta-feira (13/12/2023). A parlamentar teria tentado impedir as gravações e apreendeu os equipamentos da repórter Rhyvia Araújo, do Diário da Capital.

Precisamos de ajuda

Os comportamentos mostrados nesse artigo mostram que classe política do Amazonas em sua maioria age como se não aceitasse ser questionada. E o fato do relatório da Abraji citar tanto políticos que até já faleceram quanto os da nova geração evidencia que há uma cultura distorcida no estado que não é de hoje e que tem sido repassada pelas gerações.

No imaginário de parte dos nossos políticos, a imprensa deve se comportar de acordo com um código de ética determinado por eles. E quando esse “código imaginário” é violado, restam ironias, ataques, assédio judicial e, em último caso, agressões como inclusive a tomada de material em pleno exercício do trabalho.

A maioria ainda não entendeu que a função do jornalista não é ser “parceiro”. Não é ter “a simpatia” de ninguém. Não é falar bem de ninguém. É apurar notícias de interesse do cidadão e reportar, gostem eles ou não. Não é o jornalista o responsável pelas suas imagens, mas os próprios (que devem obediência ao decoro parlamentar) e suas assessorias. E que são todos funcionários públicos pagos pelo contribuinte. O questionamento pode partir de um jornalista, mas a resposta é para a sociedade.

O que todos precisam entender é que o jornalista atua tanto como cidadão quanto profissional. Enquanto cidadão, qualquer jornalista pode ter suas preferências políticas, bem como suas críticas, inclusive direcionadas a um ou outro político. Como jornalista, no entanto, é preciso pautar o trabalho em critérios e princípios éticos que respeitem os mesmos direitos constitucionais daqueles que são a pauta.

Em outras palavras: tenho liberdade suficiente para criticar abertamente e especificamente o presidente Lula (por exemplo) o quanto quiser, inclusive por antipatia, dentro dos termos da lei. Desde que eu não exceda ou faça mau uso do meu direito, usando de artifícios ilegais para causar prejuízo proposital, meu direito precisa ser respeitado.

A liberdade de imprensa sempre esteve sob ataque. Mas é inegável que, nos últimos anos, a situação saiu do controle no mundo inteiro e infelizmente no Brasil também. E o dado trazido pela Abraji mostra que no Amazonas há uma violação sistemática e cultural que atinge a categoria. Isso precisa parar. Os órgãos internacionais de direitos humanos e de representação jornalística precisam voltar seus olhos para cá. Urgentemente.


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