Opinião

COP-28: Um cavalo de Tróia do negacionismo climático

A emergência climática é de longe a maior ameaça para a humanidade já enfrentada. Se elas não forem revertidas, a existência da raça humana será abreviada neste planeta por uma série de catástrofes que vão desde a desertificação de florestas até o surgimento de novas pandemias e guerras por territórios. Mas mesmo com todos os alertas, os líderes globais ainda não entenderam o que está no horizonte.

Nos últimos dias aconteceu a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. A própria escolha da sede, um dos maiores produtores de combustíveis fósseis do mundo e o anfitrião ser o chefe da gigante estatal do petróleo Abu Dhabi National Oil Company (Adnoc), Sultan al-Jaber trouxeram desconfiança. Dito e feito.

Em (quase) todos os discursos, painéis, mesas e publicações, o discurso é belíssimo: reforçam os alertas, pregam cooperação, falam da necessidade de proteger os mais vulneráveis e falam na eliminação progressiva do uso de combustíveis fósseis. Na prática, porém, a situação muda.

O que são as mudanças climáticas?

É sempre bom relembrar: as emissões de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), são as responsáveis pelo aquecimento da terra e impulsionam a atual crise climática, marcada por eventos extremos, como o calor excessivo, as secas prolongadas e as chuvas muito intensas. 

Esses gases do efeito estufa lançados na atmosfera vêm aumentando desde a Revolução Industrial (séculos 18 e 19), principalmente por meio da queima de combustíveis fósseis. Com isso, o clima do planeta vem mudando a olhos vistos, com fenômenos cada vez mais intensos pelo mundo. Esta é uma das principais preocupações de cientistas que vêm mobilizando os encontros sobre o clima desde a Eco de 1992, que ocorreu no Rio de Janeiro, até a COP deste ano, em Dubai.

O que deveria ser o palco de cobrança e debates científicos, virou uma grande feira de greenwashing. Essa é uma estratégia empresarial relativamente comum que consiste em destacar uma característica sustentável de serviços/produtos para camuflar práticas ambientais ruins. O objetivo é desviar a atenção do público aos impactos ambientais que a empresa está causando em outras áreas.

Lula fala em eliminar combustíveis fósseis entrando para a OPEP. Foto: Ricardo Stuckert / PR

No mesmo evento, o Brasil assinou participação na Organização dos Países Produtores de Petróleo Plus (Opep+), que reúne grandes produtores de petróleo mais os seus aliados. A desculpa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi influenciar na transição energética. Isso tem a mesma lógica de fazer um encontro de Alcóolicos Anônimos em um bar como forma de fazer a transição do tratamento.

Segundo a Infoamazônia, na próxima quarta-feira (13/12/2023), dia seguinte ao encerramento da 28ª Conferência do Clima da ONU (COP28), será marcada por um megaleilão da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), que pretende distribuir 602 novas áreas de exploração, incluindo 21 blocos na bacia do rio Amazonas. Mais da metade deles (12 blocos) está localizada na área de impacto direto de pelo menos 20 terras indígenas e em zonas de amortecimento, área composta pelo entorno de uma Unidade de Conservação.

Outro exemplo cristalino é a Braskem, que estava em Dubai falando sobre práticas sustentáveis enquanto Maceió afunda. O Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA-AL) autuou a empresa pela vigésima vez, agora em mais de R$ 72 milhões por omissão de informações, danos ambientais e pelo risco de colapso e desabamento da mina de onde é extraído salgema pela empresa, na capital alagoana. Um dos maiores frigoríficos do planeta, a brasileira JBS, que comprou 8.785 cabeças de gado de três fazendas que desmataram a Amazônia em Rondônia entre 2018 e 2022 também está lá, ostentando discursos de sustentabilidade. 

Como não poderia faltar nossa dose de vergonha regional, o governador do Amazonas, Wilson Lima, ressaltou durante debate na Conferência que a rodovia BR-319 “é necessária para combater a pobreza e garantir o desenvolvimento social e que o projeto de recuperação da rodovia precisa avançar para que o estado saia do isolamento”. Isso é comprovadamente falso. A falta de estradas não impediu, por exemplo, a chegada de oxigênio ao estado durante a pandemia, mas sim a incompetência da sua gestão.

Foto: Diego Peres / Secom

Vírus e o clima não negociam

Aliás, essa situação lembra muito, ainda que em escala menor, a pandemia da Covid-19. No auge da emergência de saúde, com mortes sendo computadas em escala geométrica e colapsos sanitários no mundo todo, governantes falavam em economia, na necessidade de abrir o comércio, de não deixar o mundo parar. Só tinha um pequeno problema: um vírus não negocia.

A humanidade ainda não entendeu que o problema não são apenas os combustíveis fósseis, mas o seu estilo de vida, que consome tantos recursos naturais do planeta e emite tanto carbono na atmosfera que acelera mudanças no clima. De nada adianta trocar combustíveis fósseis e poluir o meio ambiente com toneladas de baterias elétricas. O resultado será o mesmo. Esse é um problema em escala global, portanto só será resolvido em escala global.

De nada adianta fazer belos discursos, gravar vídeos e fazer belos registros fotográficos sobre meio ambiente e, ao chegar ao Brasil, defender rodovias vetores de desmatamento na Amazônia. Falar em proteção de vulneráveis e desejar extrair potássio em território indígena.

Além de uma estratégia suicida e negacionista, é burrice. No final das contas, as mudanças climáticas causam sempre dezenas de vezes mais prejuízos do que as atividades que a causam conseguem proporcionar. Mas ainda assim, é mais fácil e midiático ir até Dubai fazer média.

Sair do Brasil pra fazer teatro politicamente correto e voltar pra ser parte do problema é inútil. O contribuinte brasileiro não é idiota. Tal qual o coronavírus, o clima do planeta também não negocia. A diferença é que estamos diante de uma força muito mais poderosa e implacável e para a qual não há vacina. É bom os governantes do país se darem conta disso enquanto é tempo.


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