Engrenagens

Nada como uma eleição pra aflorar o fisiologismo na CMM

Teriam nossos intrépidos vereadores finalmente acordado, depois de fecharem os olhos para a tragédia da Covid-19, denúncias de irregularidades no Sou Manaus, Operações da Polícia Federal e a fumaça em Manaus? Ou seria apenas o Centrão de olho em 2024?

Por muitos anos, a Câmara Municipal de Manaus (CMM) foi apenas um protocolo de luxo e muito bem pago das decisões unilaterais da Prefeitura. Ser o chefe do executivo local era uma tarefa tranquila: empréstimos eram aprovados rapidamente, denúncias sequer eram mencionadas em plenário e, quando eram, logo em seguida caiam no esquecimento e raros questionamentos eram feitos.

Esta semana, como por encanto, tudo mudou e, em um passe de mágica, o parlamento que dava vitórias avassaladoras aos prefeitos, subitamente rachou e impôs ao atual mandatário uma derrota inesperada. O Projeto de Lei nº 603/2023, de autoria do Executivo Municipal, buscava autorização para novo empréstimo de R$ 600 milhões com o Banco do Brasil para obras na cidade, mas foi rejeitado pela maioria dos parlamentares em plenário por 20 votos a 19.

A justificativa, segundo alguns vereadores foi, resumidamente, “medo do endividamento da cidade” e que a prefeitura teria enviado e tentado aprovar o projeto em menos de dez minutos, o que não daria tempo para debatê-lo.

Mas afinal, terá sido isso mesmo o que aconteceu? Teriam nossos intrépidos vereadores finalmente acordado e se preocupado com austeridade fiscal, depois de fecharem os olhos para enterros em covas  coletivas e colapso no oxigênio por Covid-19, denúncias de compras suspeitas, contratos com fortes indícios de favorecimento no Sou Manaus, Operações da Polícia Federal e a fumaça encobrindo a cidade e ataques histéricos do prefeito David Almeida?

Desmontando os argumentos

Preocupação com endividamento da cidade desculpem, mas essa não cola. Fosse por isso haveria uma investigação, talvez até mesmo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a denúncia do Ministério Público do Amazonas (meu Deus, há quanto tempo não digo essa expressão?) a respeito do salto de mais de 745% na dívida da prefeitura de Manaus entre os anos de 2013 e 2020, período da gestão do ex-prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB). Bem, estamos em novembro e até agora nada…

Também não adianta vir com essa história de tempo ou detalhes do projeto. Em março, a mesmíssima Câmara autorizou em votação urgente de poucos minutos a Prefeitura a emprestar os mesmíssimos R$ 600 milhões do mesmíssimo Banco do Brasil. Não foram dados detalhes sobre qual seria o destino desse empréstimo.

Em três anos de mandato esse é o terceiro pedido de crédito feito pelo Prefeito de Manaus, David Almeida à Câmara Municipal. A primeira concessão de crédito da Prefeitura ocorreu em abril de 2021 e o Executivo teve autorização para contratar o valor de R$ 470 milhões também do Banco do Brasil, já em maio, a autorização foi para empréstimo de R$ 100 milhões da Caixa Econômica Federal. Certo. Se não é nenhum dos dois argumentos, qual seria a realidade?

Eleição à vista

Para entendermos, vai ser preciso fazer algo que o Vocativo não faz com frequência: entrar nos bastidores da política. E não faz por dois motivos: 1) Há colegas que fazem isso melhor e 2) Pela concepção de que tratar política como jogo o tempo todo é um problema. Isso pode fazer parecer que essas figuras das quais falamos são celebridades, não  servidores públicos pagos pelo contribuinte. Mas, façamos uma exceção hoje.

A maioria dos políticos de Manaus, em todas as suas esferas, é do chamado Centrão. Na história política do Brasil, Centrão é um conjunto de partidos políticos que não possuem uma orientação ideológica específica e que atuam junto ao executivo apenas para obter vantagens e permanecer no poder. No nosso caso, o princípio é o mesmo. Eles seguem o dono da caneta. Quanto mais forte ele for, mais anestesiado o parlamento.

Eis que teremos uma eleição em 2024. Desde o advento da reeleição, é muito difícil um chefe do executivo (presidente, governador e prefeito) não conseguir ficar por 8 anos no cargo. Raras foram as vezes em que isso aconteceu. Nas poucas vezes, um dos principais fatores que motivou a derrocada foi a existência de um adversário forte.

O exemplo mais clássico ainda está fresco na memória: a derrota de Bolsonaro para Lula em 2022. Mas há um exemplo caseiro que também confirma essa tese. Em 2008, Serafim Corrêa fez pouco uso da máquina pública, viu sua rejeição crescer e encarou um Amazonino fortalecido e deixou a prefeitura com apenas um mandato.

Hoje, há dois nomes relativamente fortes contra David Almeida. O deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM) tem pouca articulação local, mas foi um dos mais votados nas eleições gerais do ano passado e tem uma boa aceitação nas redes sociais, especialmente entre os mais jovens. E o outro, e a meu ver mais forte ainda, é o atual presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas, Roberto Cidade (União Brasil), que tem como seu maior trunfo o apoio do governador Wilson Lima.

Quem beneficia mais?

Há uma máxima sobre o Centrão resumida em uma frase do jornalista Mário Rosa, do Poder 360: “O Centrão é aquela gasolina que falta para o avião pousar”. Ou seja: ele vai para onde possa se beneficiar. Por isso o tom áspero do presidente da CMM, Caio André (União Brasil) rapidamente se desfez quando perguntado sobre impeachment.

Ora, se está provado que a prefeitura bloqueou ilegalmente recursos da Câmara, sabem o nome da funcionária que fez isso (foi divulgado na entrevista), por que uma CPI não foi aberta para que ela e seus superiores imediatos não fossem imediatamente convocados para depor? O motivo está posto. Se há preocupação com as contas da prefeitura ou a idoneidade das suas ações, a hora de agir é agora. Então por que o recuo?

Simples: porque há três candidatos extremamente viáveis para a prefeitura a partir de 2025. Ou seja, três opções de negociação. Obliterar um deles é aumentar as chances dos outros dois. E dar ao vencedor mais chances de barganha para costurar o apoio necessário para aprovar projetos na nova legislatura. Ou mesmo para se lançar candidatos a voos maiores em 2026.

Enquanto isso, no mundo dos mortais, ou seja, nós contribuintes, seguem os problemas comuns do cotidiano. Aqui sofremos com fumaça, trânsito infernal, falta de estacionamentos decentes, patrimônio público tratado como quadro de pintura do prefeito e outros problemas que sabemos existirem, mas que não são investigados por esses indivíduos. A verdade é que, enquanto sofremos, eles jogam o velho xadrez fisiológico da política, onde nós somos as peças menos importantes e as mais descartáveis.


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