Durante grandes acontecimentos históricos, como a pandemia da Covid-19, eleições presidenciais e agora mais recentemente o conflito entre Israel e o Hamas, no Oriente Médio, é muito comum pessoas relatarem estresse e incômodo com a intensidade dos debates nas redes sociais. Há muita discussão se a forma como nos comportamos nessas plataformas alimenta o discurso de ódio e por que? Bem, a resposta é sim.
Quanto mais pessoas são atingidas e tem suas opiniões formadas por discursos de ódio, mais provável se torna que algumas pessoas pratiquem atos concretos de discriminação e violência contra minorias sociais e grupos vulneráveis
João Pedro Favaretto Salvador, autor do livro Discurso de Ódio e Redes Sociais
Antes de tudo, é importante entender que um dos fatores mais significativos para um discurso de ódio ser perigoso é o seu alcance, ou seja, o tamanho da audiência que ele atinge (o que inclui tanto vítimas quanto propagadores). “As redes sociais são construídas para, em grande parte, facilitar a conexão de usuários com audiências. Elas são construídas para interpretar o comportamento dos usuários, recomendando automaticamente conteúdo popular ou que pareça estar de acordo com seus interesses”, explica João Pedro Favaretto Salvador, especialista em Direito Digital e autor do livro Discurso de Ódio e Redes Sociais.
Ah, e o mais importante: há consequências na vida real fora das redes. “Quanto mais pessoas são atingidas e tem suas opiniões formadas por discursos de ódio, mais provável se torna que algumas pessoas pratiquem atos concretos de discriminação e violência contra minorias sociais e grupos vulneráveis“, alerta Favaretto.
O que fazer coletivamente?
Em grande parte dos casos, não há muito o que possamos fazer, individualmente, para impedir a propagação o discurso de ódio que encontramos nas redes. Normalmente, as pessoas que concordam com aquela publicação já vão ser suficientes para aumentar sua disseminação, seja compartilhando, replicando, curtindo ou comentando a postagem original. Apesar disso, é possível denunciar a publicação para a plataforma e esperar que eles decidam removê-la.
“Em geral, quanto mais interagirmos com a postagem problemática, maior a audiência que ela vai atingir e mais perigosa ela vai ser. As vezes nós compartilhamos uma postagem de ódio como uma forma de denúncia, ou publicamos um comentário criticando e dizendo que aquilo é problemático, mas os sistemas da plataforma não necessariamente veem isso de forma diferente que um compartilhamento ou um comentário de apoio. Para o algoritmo, é tudo a mesma coisa”, explica Favaretto.
Disputa desigual
Por mais que você consiga organizar todos os seus contatos para não interagir com uma manifestação de ódio, a faca e o queijo ainda estão nas mãos das Big Techs. “O poder de impedir a propagação dos discursos de ódio está quase todo na mão das plataformas, porque a propagação acontece em razão dos sistemas que elas construíram. São elas que tem o poder de remover publicações, controlar o fluxo de comunicação e mudar os algoritmos de recomendação de forma que discursos de ódio não sejam tratados da mesma forma que publicações informativas, divertidas e interessantes”, pondera o especialista.
As vezes nós compartilhamos uma postagem de ódio como uma forma de denúncia, ou publicamos um comentário criticando e dizendo que aquilo é problemático, mas os sistemas da plataforma não necessariamente veem isso de forma diferente
João Pedro Favaretto Salvador, autor do livro Discurso de Ódio e Redes Sociais
Apesar disso, a sociedade civil ainda pode agir. “O que podemos fazer é pedir por uma regulação que dê orientações e incentivos claros para que as plataformas combatam a disseminação de discursos de ódio de forma organizada e cuidadosa”, avalia Favaretto. “Não queremos que elas saiam censurando tudo que é publicado, mas deve haver, sim, um esforço para fazer com que conteúdo problemático seja tratado de forma diferente que conteúdo positivo”, sugere.
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