Contexto

STF ocupa vácuos deixados por outros poderes, diz especialista

Começou a tramitar na Câmara dos Deputados no final de setembro a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 50/2023. A proposta, apresentada pelo deputado federal bolsonarista Domingos Sávio (PL-MG), altera o artigo 49 da Constituição Federal para permitir que o Congresso Nacional possa derrubar, por maioria qualificada, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo o deputado e diversos outros representantes do legislativo, o STF tem tomado com frequência “atitudes de usurpar o poder do legislativo e extrapolar os seus limites constitucionais” e estaria “legislando”. A insatisfação com a corte parte principalmente de grupos conservadores e ruralistas, irritados com os julgamentos de pautas como Marco Temporal, aborto e a descriminalização das drogas.

A proposta vem sendo chamada por parte da opinião pública como a PEC do Golpe, por permitir que o parlamento aprove medidas que sejam inconstitucionais e ainda impeça o controle da Suprema Corte do país. Mas ela não é a única a propor medidas que alteram o funcionamento do STF. Há também ações que limitam as decisões monocráticas (individuais) e pedidos de vista (mais tempo para análise do processo), além de estabelecer mandato de ministros do Supremo.

Para o advogado criminalista doutor em Direito Penal pela PUCSP José Carlos Abissamra Filho, se aprovar as medidas, é o Congresso quem invade a competência do STF. “Não chamaria de PEC de golpe, mas acho ela inoportuna. O Congresso Nacional não é instância revisora do STF. Se houver necessidade de criação de lei nova, cabe ao Congresso Nacional, no entanto o julgamento a respeito da constitucionalidade de uma lei cabe ao STF. A mistura de papéis não faz bem ao nosso sistema”, alerta.

De acordo com Abissamra, em uma democracia, temas polêmicos, mas importantes na sociedade tendem a encontrar dificuldades para avançar no Legislativo e no Executivo. É justamente aí que entram as Supremas Cortes. E segundo o advogado, o movimento de discordância entre os poderes é normal.

“O Supremo exerce um poder contramajoritário por característica própria da Corte; o Congresso Nacional e os governos federal e estaduais, em sentido oposto, exercem um poder majoritário. Por isso, alguns assuntos emperram com a ausência de decisão política. O maior exemplo atual nesse sentido é a regulamentação, ou a descriminalização, do uso de drogas: Supremo caminhando em um sentido; Senado caminhando em sentido oposto”, resume Abissamra Filho.

O Congresso Nacional não é instância revisora do STF. Se houver necessidade de criação de lei nova, cabe ao Congresso Nacional, no entanto o julgamento a respeito da constitucionalidade de uma lei cabe ao STF

José Carlos Abissamra Filho

Para o advogado, ao invés do Congresso reclamar das decisões da corte, deveria evitar que os temas precisassem chegar até ela. “As decisões que estão sendo tomadas não são aleatórias, mas partem de casos pontuais, de demandas que chegam à instância máxima do Poder Judiciário, por necessidades concretas das pessoas. Essas pautas e essas causas que hoje estão no Supremo não estão lá por mero acaso. Estão lá porque algum direito foi violado em algum lugar”, ressalta.

E se a PEC 50/2023 passar?

Independente de análises, o fato é que parte significativa do Congresso está decidida a avançar na ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal. Mas nesse caso, o que acontece se a PEC for aprovada? Nesse caso, prepare-se pra ver novos conflitos entre os poderes.

“Essa é uma pergunta pertinente. Ficaríamos num ciclo vicioso. O nosso sistema estabelece a independência entre os poderes, no entanto, deve haver harmonia entre eles. Se não houver essa harmonia, o sistema não funciona bem. Novamente, a competência para legislar é do Congresso, mas a de julgar a constitucionalidade de uma lei é do Supremo”, avalia Abissamra Filho.

Ficaríamos num ciclo vicioso. O nosso sistema estabelece a independência entre os poderes, no entanto, deve haver harmonia entre eles. Novamente, a competência para legislar é do Congresso, mas a de julgar a constitucionalidade de uma lei é do Supremo

José Carlos Abissamra Filho

Para o jurista, o ideal seria que ambos os poderes baixassem a guarda e tentassem uma solução via diálogo. “Eventual mudança no sistema pode ser discutida, no entanto, decisões de afogadilho, como a proposição de PECs a respeito de assuntos momentâneos, por conveniência política, nem sempre é a melhor solução. Se observarmos bem essa divisão de tarefas, nosso sistema funcionará bem”, sugere.


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