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O que muda com a queda da tese do Marco Temporal no STF

Por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quinta-feira (21/09/2023) a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas. Mas, apesar da decisão da corte, resta ainda a votação no Senado Federal do projeto sobre o mesmo tema.

Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época. Entidades de direitos dos povos indígenas e direitos humanos contestam essa tese, afirmando que os povos estavam presentes muito antes dessa data, portanto detém direito ao território.

A partir da decisão do Supremo, permanece em aberto a discussão sobre a questão das terras indígenas no Brasil. “E quando digo em aberto, faço referência ao fato de mesmo aquelas terras que estavam ocupadas em datas muito anteriores à vigência da atual Constituição Federal. Estas podem ser objeto de discussão, desde que comprovado que aquela que aquele povo originário estava naquele lugar, naquele período. É também comprovado que eles foram de lá retirados por várias razões”, explica o doutor em Direito Constitucional Acácio Miranda.

Votaram contra os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Carmen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes. Nunes Marques e André Mendonça se manifestaram a favor do marco temporal.

Impasse com o Senado

O Senado, em sentido contrário ao do STF, analisa o projeto de lei PL 2903/2023, que fixa justamente o Marco Temporal como critério para demarcação de Terras Indígenas. Para o líder do governo no Senado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), há grande pressão política e social em relação à questão. Ele afirmou que o governo vai buscar um acordo, com possíveis mudanças no texto que foi aprovado pela Câmara.

Acácio Miranda explica a situação dependerá do texto aprovado no Congresso. “É necessário que sejam observados dois aspectos. Primeiro, se o objeto da decisão do Supremo Tribunal Federal e o objeto da legislação são os mesmos. Em sendo os mesmos, o Supremo Tribunal Federal simplesmente dirá que aquele tema já está decidido a partir da sua jurisprudência. Caso os objetos sejam diversos, há necessidade da compatibilização e poderão ser objetos de discussão aqueles aspectos da legislação que sejam distintos aos decididos no dia a de hoje”, avalia o jurista.

Processo segue complexo

É importante explicar que, mesmo com o fim da tese do Marco Temporal, o processo de demarcação de Terras Indígenas segue demorado e complexo, inclusive na intrusão, ou seja, em retirar aqueles que invadem ilegitimamente as terras indígenas. Exatamente por isso existe um dano ambiental ocasionado por essa demora.

“Essa é uma primeira notícia fundamental, importantíssima, mas que deve ser seguida de uma reestruturação profunda no sentido de trazer maior eficiência e autonomia a Funai, bem como a recomposição plena dos seus quadros, de modo a poder dar vazão a essa que é a demanda histórica e a dívida social maior e primeira que o Brasil tem”, afirma Marcos Woortmann, coordenador de políticas socioambientais do IDS e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília.

Nova polêmica

Um ponto extremamente importante é que, embora a tese do marco temporal tenha sido derrotada, os votos específicos, por exemplo, do ministro Alexandre de Moraes, criam uma série de outros problemas, como, por exemplo, a possibilidade de indenização de ocupantes irregulares de invasores de terras indígenas, o que, na prática, pode terminar por inviabilizar a demarcação de futuras terras indígenas pelo simples problema do custo que isso poderia implicar.

“A derrota da tese do marco temporal é uma grande vitória para a sociedade civil, para o campo ambiental e para a segurança climática do Brasil como um todo, porque as terras indígenas são melhores zelada em relação ao seu patrimônio ambiental do que as unidades de conservação, cuja gestão é do governo federal. Contudo, os riscos de haver uma paralisação na prática de algo que ainda é assegurado enquanto direito permanecem no horizonte”, explica Woortmann.

Logo em seguida ao final do julgamento no STF, os senadores que discutem a PEC do Marco Temporal começaram a se articular por mudanças no texto. “Essa possibilidade de uma adequação da proposta de PEC é algo que nos preocupa muito, porque não adianta nós assegurarmos, como sociedade, como país, a previsão constitucional do direito à terra para os povos indígenas e, na prática, cercear nos por problemas orçamentários e pelo benefício daqueles que de fato quebram a lei ao invadir terras indígenas”, alerta Woortmann.


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