Amazônia Amazonas

Em CPI, Plínio Valério desinforma sobre demarcações e ONG’s

Desde que foi instalada, em junho deste ano, a CPI das ONGs do Senado se tornou palco para uma série de declarações falsas do seu criador e presidente, o senador bolsonarista amazonense Plínio Valério (PSDB-AM). Basicamente, as alegações do parlamentar são de que essas organizações não possuem transparência e estariam cometendo irregularidades na sua atuação na Amazônia. No entanto, nas últimas semanas, a desinformação ficou ainda pior.

Representantes de organizações não governamentais, antropólogos, pesquisadores, integrantes do governo e ex-ministros devem ser ouvidos pela CPI das ONGs após a volta dos trabalhos legislativos, neste segundo semestre. O objetivo oficial é “investigar repasses de verbas públicas e privadas para organizações que atuam na Amazônia”. Na prática, a atuação tem sido outra.

Sem apresentar provas solicitadas diversas vezes pelo Vocativo antes mesmo da comissão ser instalada, o senador Plínio Valério afirmou que há profissionais que se opuseram ao trabalho das ONGs e foram afastados. Além disso, em recente entrevista para a Agência Senado, o senador afirmou que o processo de demarcação de Terras Indígenas (TI) é um processo de ficção.

“Ouviremos também antropólogos que fizeram laudos para esses institutos, notadamente o ISA [Instituto Socioambiental]. Vamos questionar sobre esses laudos que criaram, na ficção, mas que se tornaram realidade, reservas indígenas e áreas de proteção ambiental. Há muitas denúncias de que eles aumentam o quantitativo de indígenas, tornando o mestiço indígena, e espalham esses indígenas nas áreas que eles querem pedir para demarcar”, disse o senador.

A afirmação é falsa. O processo de demarcação de Terras Indígenas, explicado aqui em matéria feita em parceria entre o Vocativo e a rede Infoamazônia, é regulamentado pelo Decreto 1775/1996 da presidência da república, que regulamenta o procedimento de demarcação de terras indígenas. Além dele, a Portaria 14/1996 estabelece regras sobre a elaboração do Relatório circunstanciado de identificação e delimitação de Terras Indígenas.

“O estudo é coordenado por um antropólogo e implementado por uma equipe técnica designada pela presidencia da Funai. Inclusive, a constituição desse GT dá início formal ao processo de demarcação de terras indígenas”, explica Chantelle Teixeira, advogada e assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Para a jurista, a CPI está servindo como palco para a perseguição das ONGs. “Eu percebo que há uma tentativa clara de desvalidar e perseguir o trabalho realizado pelas ONGs sob o pretexto “inventarem indígenas”. Há um flagrante desrespeito ao trabalho técnico realizado por antrópologos”, lamentou.

Desinformação sobre clima e meio ambiente

Plínio Valério tem se destacado nos últimos anos com uma série de declarações falsas sobre temas como aquecimento global e saúde pública. Em agosto de 2022, o senador criticou no plenário uma publicação do periódico norte-americano Nature Climate Change, que divulgou que cerca de 50% da floresta amazônica está próximo de “virar uma grande savana”, por causa de ações humanas que podem contribuir para o agravamento do aquecimento global.

“Estamos em 2022, e os cretinos não reconhecem que estavam errados. Embora se fale nisso há aproximadamente 80 anos, até hoje não houve nenhum fato concreto neste sentido, e nenhum só palmo de terreno em toda a Amazônia se tornou areal”, afirmou.

A alegação é falsa porque já há diversas mudanças aparentes que são consistentes com os efeitos previstos com aquecimento global. Além disso, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC em inglês) alertou em 2021 que atemperatura global subirá 2,7 graus até 2100. Na Amazônia, se nada for feito, a perspectiva é muito pior, podendo chegar a 6 graus. Isso nos faria experimentar aumento da estiagem em até 40 dias, além da morte da vegetação por falta d’água.

Valério também criticou publicação da ONG Fundação Amazônia Sustentável (FAS) segundo a qual a Amazônia pode gerar uma nova epidemia devido a ações humanas no local que contribuem para o agravamento do aquecimento global.

“Você brasileiro e você brasileira não podem acreditar nesses picaretas. Vocês não podem acreditar que a Amazônia vai ser responsável pela próxima epidemia. Isso é irresponsabilidade! Isso é de gente que está acostumada a pegar dinheiro e a ficar com o dinheiro, em nome da Amazônia”, reclamou.

A afirmação também é equivocada porque segundo matéria publicada na Revista Science, cerca de 12% das 1.400 espécies de morcegos do planeta voam pela floresta amazônica. O morcego é uma das espécies que mais abriga vírus em seu corpo. E esses morcegos habitam uma região onde podem ter contato direto em nossa floresta com macacos e roedores.

O contato desses animais entre si favorece o processo de salto entre espécies, chamado spillover, que geram mutações nos vírus que podem torná-lo infectáel ao ser humano, causando doenças como a Covid-19. O contato frequente do homem com esses ambientes em razão de atividades como o garimpo e o desmatamento abrem espaço para novos surtos, como foi isso explicado nessa matéria de abril de 2021 do Vocativo.

Comissão

Instalada em junho, a comissão investiga as atividades de organizações não governamentais financiadas com dinheiro público na região da Amazônia. O responsável pelo relatório será o senador Marcio Bittar (União-AC). Até agora, a CPI fez quatro reuniões, três delas com oitivas.


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