Opinião

Desfilar com tanques e armas demonstra qualquer coisa, menos força

Se Bolsonaro tivesse realmente força, já teria fechado o Congresso ou aprovado o voto impresso. Entenda: o risco de golpe é real, mas tomem cuidado pra que o medo de uma ditadura não faça você viver como se já estivesse em uma

Toda vez que se fala em golpe de estado no Brasil, há duas categorias de pessoas: as que sofrem ataques histéricos já se imaginando nas salas de tortura dos porões do recriado DOI-CODI e os que dão de ombros dizendo que “as instituições estão funcionando e nada acontecerá”. Ambos estão errados.

Surgiu a informação nesta segunda-feira (09/08/21), publicada pela repórter Thaís Oyama, no UOL, de que o presidente Jair Bolsonaro irá amanhã “dar uma demonstração de força ao desfilar com tanques e soldados no Palácio do Planalto”. A medida seria para pressionar a Câmara dos Deputados a aprovar o chamado voto impresso. A reação da internet, é claro, se dividiu nesses dois pólos que descrevi acima, com a maioria já imaginando que amanhã enfim começará o reinado de terror do déspota Jair.

Analisar política apenas sob a perspectiva do que estamos sentindo é perigoso. Confunde nosso raciocínio. E vejo muita gente confundindo O QUE TEMEM com aquilo que é mais plausível de acontecer. Muitos estão oscilando entre o medo (os que entram em pânico com medo da ditadura) e a negação (aqueles que afirmam que as instituições funcionam normalmente). De fato, as instituições não estão funcionando e sim, corremos risco de um golpe de estado. Mas é preciso analisar as coisas com lógica. E esse ato de amanhã demonstra tudo, menos força.

Quem tem força, não gasta bilhões em orçamento secreto pago para parlamentares por baixo dos panos para evitar seu impeachment. Quem tem força não defenestra aliados da Casa Civil para colocar políticos fisiológicos que já te chamaram de fascista. Quem tem força não tenta desesperadamente reformular o Bolsa Família para recuperar alguma popularidade. Quem tem força, faz sua base no Congresso aprovar suas propostas. É simples.

Alguém já parou pra pensar como seria o dia seguinte de um golpe de estado hoje, em pleno século 21? Por favor, não compare o momento hoje com 1964. Há um universo de distância entre ambos os contextos. Já falamos inclusive sobre isso aqui.

Uma ruptura institucional hoje, em tempos de redes sociais e economia globalizada, seria coberta em tempo real, com riqueza de detalhes. E teria consequências imediatas. Desde a expulsão do Mercosul, passando por sanções internacionais até mesmo o fim de contratos expedidos com base na nossa Constituição. Seria o caos.

Colocar um golpe de estado em prática e mantê-lo firme exige uma longa lista de prerrogativas. Coordenação interna, apoio estrangeiro, base popular e, acima de tudo, força política. Não adianta tomar o poder se a sociedade na qual o golpe está inserido simplesmente for destruída no processo. No final do dia, todos, inclusive os golpistas vão querer voltar pra casa e usufruir as suas vidas.

Se Bolsonaro tivesse realmente força, já teria fechado o Congresso ou estaria tranquilo para aprovar o voto impresso. Exército ele já tem, militância ele já tem e vontade ele sempre teve. Quem tem poder para dar golpe de estado, usa até derrota do time de futebol para dar um. Se amanhã Bolsonaro não fizer nem uma coisa nem outra amanhã, é porque é um fraco.

Entendam: o risco de um golpe de estado no Brasil é real. Ninguém pode ignorar isso. Mas a leitura que está sendo feita desse risco não pode atrapalhar justamente a mobilização que precisa acontecer para ele não se tornar real. Em outras palavras: tome cuidado pra que o pânico pelo medo de uma ditadura não faça você viver como se já estivesse em uma.


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